O Nó do Diabo é um longa nacional do gênero terror dividido em cinco contos. O roteiro trata, de forma crítica, o histórico sobre racismo e as relações de trabalho no Brasil. Realizado na cidade de Pilar, na várzea do Rio Paraíba, em Alagoa Grande no agreste paraibano e no Lajedo de Soledade no sertão do Rio Grande do Norte durante 5 semanas. Foiproduzido pelo Vermelho Profundo e distribuído pela Elo Company.
Os contos são dirigidos por Ramon Porto Mota – partes I e V -, Gabriel Martins, Ian Abé e Jhésus Tribuzi. As histórias têm um mesmo antagonista, Seu Vieira, que é a representação do dono das terras que ultrapassa gerações.
Tivemos o privilégio de falar com dois destes diretores: Gabriel Martins, que fundou a Filmes de Plástico em 2009, juntamente com Maurilio Martins, André Novais Oliveira e Thiago Macêdo e Ramon Porto Mota, que já fez um pouco de tudo, ou seja, crítica, cineclubismo, deu aula, além de produzir, montar, dirigir e escrever vários curtas, antes de chegar em O Nó do Diabo.
Segue a entrevista na íntegra sobre O Nó do Diabo:
Cinema e Pipoca: Apesar do filme ser dividido em 5 partes, todos tiveram participação nos roteiros. Como foi trabalhar com os outros diretores? Quais as facilitações e as dificuldades desta criação em conjunto?
Gabriel Martins: Trabalhar com os meninos foi um grande aprendizado pois eles tem uma relação muito intensa com o cinema de horror e são uma verdadeira enciclopédia do termo. Sempre fui fã mas não tenho o mesmo conhecimento profundo dos meninos e nem a mesma bagagem. Essa troca foi o melhor. Criar em conjunto é sempre um desafio pois inevitavelmente esbarramos em divergências principalmente frente a um tema muito delicado. Tentamos pensar sempre o melhor para o filme e o como contar aquela história da melhor forma possível guardando uma ligação entre os episódios.
Ramon Porto Mota: Sempre trabalhei em processos colaborativos, meu primeiro curta, O Hóspede, foi uma codireção. Nos filmes que montei e produzi sempre me envolvi diretamente com a elaboração e conceptualização do filme. Então, trabalhar nesse regime colaborativo do Nó do Diabo, não foi uma novidade, nem um problema em nenhuma instancia. Na verdade, o contrário, foi bem prazeroso e sem grandes percalços. Tudo era sempre discutido e pensado em conjunto entre todos nós, isso foi até a hora de cada um dirigir suas partes, durante a pré-produção, onde cada um teve a autonomia e a liberdade necessária, porém, ainda assim, conversamos bastante sobre tudo que estava acontecendo.
Ian e Jhésus são meus amigos de longa data, também somos sócios e sempre trabalhamos juntos em todos os nossos projetos. Então, aí não teve nada de novo. Com Gabriel foi a primeira vez que trabalhamos juntos, mas tínhamos uma amizade de nos encontrarmos nos festivais da vida e um interesse e relação parecida com o cinema. Funcionou na mesma dinâmica que trabalho com Ian e Jhésus.
Cinema e Pipoca: Por que decidiram por um filme em 5 partes e não curtas separados?
Gabriel Martins: Existe uma lógica de continuidade e ligação entre os episódios que poderia se perder caso fossem vistos separados. Existe uma progressão, na verdade, do início ao fim que constrói uma linha de pensamento sobre o todo.
Cinema e Pipoca: Vocês foram corajosos ao inserirem negros como protagonistas (algo pouco usual por aqui) num filme de terror (gênero que está engatinhando). Vocês acreditam que um dia teremos uma igualdade maior e uma diminuição do preconceito, não só no cinema, mas no dia a dia de um modo geral?
Ramon Porto Mota: Espero que sim. Sou pessimista com o estado das coisas da nossa sociedade, mas acredito que não dá pra descansar e que precisamos tomar uma atitude diante desse estado das coisas. É quando a gente decide que quer fazer as cosias diferentes que nossa sociedade se transforma. Isso vale pra tudo, mas aqui, no nosso caso, especialmente para o racismo e machismo estrutural das nossas produções de cinema. Só quando decidirmos buscar outras pessoas para trabalhar nos filmes que não teremos mais uma equipe 100%, ou quase isso, ou 50%, ou qualquer número, branca e masculina.
Cinema e Pipoca: Você dirige o episódio 2, que fala sobre um casal à procura de emprego, que vai trabalhar em certo lugar mais, aos poucos, vai descobrindo os segredos de lá. Como fazer para escapar dos clichês tão corriqueiros do gênero e conseguir surpreender o público?
Gabriel Martins: Eu acho que apenas o fato de partir de uma temática pouco explorada no cinema de horror nacional, no caso a escravidão, já nos ofereceu outros elementos. Eu acho que certos códigos do gênero, talvez conhecidos como clichês, são inclusive interessantes de serem usados por efeitos dramáticos e emocionais no espectador. O desafio foi acima de tudo uma construção de clima que não deixasse o espectador indiferente àquilo tudo.
Cinema e Pipoca: Como se deu a escolha do elenco? E como foi a preparação deles para o filme?
Ramon Porto Mota: Foi feita uma longa e extensa pesquisa de locação capitaneada por Maria Clara Escobar. Procuramos atores e atrizes no brasil inteiro, nos deparemos com pessoas incríveis, mas também com o racismo estrutural do nosso cinema. No fim, acredito que o elenco do filme fala por si só e prova como temos atores e atrizes negros incríveis, prontos para protagonizar qualquer produção.
Cinema e Pipoca: Quais foram as principais dificuldades de se tirar este filme do papel?
Gabriel Martins: Era um projeto muito mais caro e ambicioso do que os recursos que existiam. Fazer um filme de horror e de época traz desafios enormes do ponto de vista prático, figurino e direção de arte, fotografia e etc que tornam tudo inevitavelmente mais caro e demanda mais tempo de produção. Este foi o grande desafio, a meu ver. Acho positivamente surpreendente, na verdade, termos o filme que temos frente a tantas dificuldades.
Ramon Porto Mota: O baixo orçamento certamente. Isso somado a ambição de um filme de horror se passado em 5 épocas diferentes, foi um casamento difícil. A chuva também castigou bastante as filmagens. Tivemos que fazer mudanças drásticas no planejamento de filmagem logo depois de filmarmos os episódios 2 e 3, o que terminou por prejudicar o restante da produção. Enfim, aquela velha história de todas as produções independentes brasileiras.
Cinema e Pipoca: Acreditam que os espectadores já se acostumaram com o cinema nacional ou ainda existe certo preconceito do público?
Gabriel Martins: Acho que existe um preconceito ainda com narrativas mais amplas, fora de elementos consolidados por filmes específicos. Acredito que o Nó do Diabo possa ser vítima disso pois comparações com outros cinemas mais caros e outras narrativas – particularmente as norte-americanas – podem existir e as pessoas não entenderem os nossos caminhos. Mas acho que esse filme é um elemento também de um processo em construção de um cinema brasileiro mais amplo e que investiga mais gêneros e vejo também um público interessado em descobrir isso.
Ramon Porto Mota: Sim e não. Acho que o preconceito dos anos 90 caiu e muito, mas que ainda assim há muita gente que não se interessa por cinema brasileiro. É necessário formar o público, sem isso ninguém passa assistir nada. O cinema americano mesmo, formou publico durante um século, por isso domina as salas de cinema, não é algo autóctone.
Cinema e Pipoca: Poderia nos falar um pouco a respeito dos próximos projetos?
Gabriel Martins: Estamos para lançar em breve o longa “No Coração do Mundo”, dirigido por mim e por Maurílio Martins e também “Temporada”, dirigido por André Novais Oliveira. Em novembro gravo também o meu primeiro longa como diretor solo, chamado “Marte Um”.
Ramon Porto Mota: Estamos nesse momento finalizando o longa que dirigi ano passado, A Noite Amarela, um filme de horror mezzo arthouse mezzo filme teen, que pretendemos lançar no próximo ano. E planejando o próximo filme de Ian e Jhésus, O braço. Uma produção da Electra Filmes que estamos co-produzindo e que deve ser filmada próximo ano.
Confira o trailer de O Nó do Diabo:
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