
Kléber Mendonça Filho já havia se consolidado como um dos diretores mais inventivos e sensíveis do cinema brasileiro contemporâneo. De Aquarius (2016) a Bacurau (2019), passando pelo documental Retratos Fantasmas (2023), sua obra sempre transita entre política, memória, espaço urbano e violência institucional.
Em O Agente Secreto com Wagner Moura, ele retorna a esses temas, mas agora mergulha diretamente no período da ditadura militar brasileira. O filme aborda a brutalidade do regime, a manipulação da verdade e os ecos traumáticos que essa época deixou em indivíduos e famílias inteiras. É uma obra ambiciosa, extensa e, em muitos momentos, incômoda — mas é justamente desse desconforto que tira parte de sua força.
Vi muita gente tentando compará-lo ao drama Ainda Estou Aqui, mas o paralelo não se sustenta. Embora ambos dialoguem com o mesmo pano de fundo histórico, Mendonça Filho opta por uma abordagem muito mais fragmentada, experimental e menos convencional. Enquanto Ainda Estou Aqui se ancora com maior firmeza no melodrama e na relação afetiva entre mãe e filho, O Agente Secreto com Wagner Moura é, por vezes, mais difícil de digerir. A montagem não-linear, as quebras abruptas e a diversidade de personagens retiram do espectador qualquer conforto narrativo. Há escorregões — e falaremos deles — mas há também ousadia.
O Agente Secreto com Wagner Moura: elenco e narrativa
A primeira característica que chama atenção é a duração. São duas horas e quarenta minutos, nas quais acompanhamos múltiplas linhas narrativas e personagens de pesos diferentes. Wagner Moura interpreta Marcelo, um professor universitário e especialista em tecnologia cuja vida sofre um colapso quando ele passa a ser perseguido pelo aparato repressivo da época.
Moura transforma Marcelo em uma figura inquieta, tensa, sempre à beira da instabilidade emocional, mas também profundamente humana. Ao lado dele, Tânia Maria estreia no cinema aos 78 anos interpretando Dona Sebastiana, um dos rostos mais marcantes da obra. Mesmo com pouco tempo de tela, ela traz profundidade e uma presença impressionante.
Apesar dos personagens bem interpretados, a narrativa se dispersa em alguns momentos. Isso acontece especialmente nas idas e vindas temporais que, embora tenham justificativa temática — afinal, trata-se de um filme sobre memória, apagamento e reconstrução —, às vezes quebram a imersão. Ao introduzir duas jovens dos dias atuais que encontram e escutam as fitas com depoimentos e relatos do passado, o diretor faz de forma abrupta, soando quase como interrupção. A quebra de ritmo prejudica o impacto emocional das cenas que vinham antes e torna o arco dessas jovens menos relevante dentro do todo.
Outro ponto controverso é a inclusão da história da “perna cabeluda”, figura folclórica urbana famosa no Recife. Embora seja compreensível que Mendonça Filho queira incorporar elementos da cultura local — algo que sempre fez com elegância —, aqui a sequência parece deslocada. Temos, por aqui, uma espécie de alívio cômico, mas isso pouco acrescenta ao desenvolvimento dos personagens ou ao avanço da trama. Em um filme tão longo, essa passagem poderia ter sido removida sem prejuízo algum, talvez até com benefício ao ritmo.
O perfeccionismo da parte técnica
A direção de arte, a reconstituição de cenários e a fotografia nos transportam para o Recife dos anos 1970 de forma extremamente sensorial. Sentimos o calor das ruas, o barulho dos carros antigos, a textura dos ambientes. Fuscas, Brasílias e rádios de mesa convivem com a tensão constante de uma sociedade vigiada.
Particularmente, quase senti a poeira acumulada nos móveis das repartições e o cheiro das salas abafadas onde interrogatórios aconteciam. E há ainda outros elementos que marcam a identidade de Mendonça Filho, como a metalinguagem. Tal qual em Aquarius e Retratos Fantasmas, o cinema aparece como personagem.
As salas do tradicional Cine São Luiz surgem como espaço simbólico: um lugar onde as pessoas podiam escapar, mesmo que por poucas horas, da repressão que dominava o cotidiano. Quando vemos aqueles espectadores sentados lado a lado, dividindo sonhos projetados em uma tela, entendemos que o diretor está falando também sobre resistência — sobre como a arte, mesmo diante da brutalidade, mantém viva a chama da imaginação e da memória coletiva.
O Agente Secreto no Oscar 2026
Diante disso, não surpreende que O Agente Secreto com Wagner Moura já esteja sendo celebrado como forte candidato brasileiro ao Oscar, tanto em Melhor Filme Internacional quanto na categoria de Melhor Ator. Moura carrega sobre si a paranoia, o medo e a deterioração psicológica de alguém perseguido por um sistema implacável. Sua entrega é física, emocional e intelectual. É um papel que exige muito e ele corresponde.
Quando ouvirmos alguém dizer que o Brasil “só faz comédias e filmes de favela”, aponte esta obra como exemplo contra esse estereótipo. É uma obra densa, dolorosa e necessária. Não se limita a entreter: ela confronta, expõe feridas, revisita traumas e dá voz às histórias que muitos prefeririam esquecer. É uma reafirmação sobre a importância de relembrar as vítimas da ditadura, tanto aquelas que lutaram quanto as que jamais entenderam completamente por que suas vidas foram interrompidas ou destruídas.
Ao final, nota-se que o longa metragem é imperfeito, mas grandioso. Incômodo, mas indispensável. O Agente Secreto com Wagner Moura lembra, acima de tudo, que a arte tem o dever de iluminar aquilo que a história oficial tentou apagar.
Onde assistir O Agente Secreto com Wagner Moura?
O filme está nos cinemas de todo país.
Sinopse de O Agente Secreto com Wagner Moura
Marcelo percebe que está sendo espionado por seus vizinhos e que a cidade que esperava ser seu novo lar se tornou um ambiente de perigo e desconfiança. O filme usa a lenda urbana da “perna cabeluda” como metáfora para a sociedade brasileira da época, durante a ditadura militar.
Nota: ★★★½
Título Original: O Agente Secreto
Ano Lançamento: 2025 (Brasil/França/Países Baixos/Alemanha)
Dir.: Kleber Mendonça Filho
Elenco: Wagner Moura, Carlos Francisco, Tânia Maria, Robério Diógenes, Maria Fernanda Cândido, Gabriel Leone, Roney Villela, Hermila Guedes, Udo Kier







