Janaxpacha, primeiro curta nacional em 3D
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Janaxpacha, primeiro curta nacional em 3D

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Janaxpacha, primeiro curta nacional em 3D, é uma obra surrealista filmada nas surpreendentes paisagens do Salar do Uyuni, maior e mais alto deserto de sal do mundo. O roteiro narra, por meio da dança, a história de Inti, um viajante atormentado que se aventura no deserto onde encontra Thunupa, a guardiã do salar. Durante sua jornada, é capturado por ela, que o coloca à prova ao transformá-lo em um novo homem. Desprovido de memórias, Inti precisa resgatar sua identidade.

Para quem se perguntou o significado do título, a diretora comenta que “significa céu na terra na língua Quecha. Quechua é um dos idiomas locais indígena, tradicionais da região do Uyuni. Quando estive na Bolívia me encantei muito com a força e a beleza singela da cultura local, que fala da natureza para explicar sua mitologia e sua simbologia: por exemplo a lua significa o feminino e o sol o masculino, o que pareceu uma sabedoria ancestral elucidativa”.

O curta já acumula prêmios como Melhor Curta Experimental no Festival FeSanCor (Chile); melhor filme eleito pelo júri estudantil no Festival Courant 3D (França) e melhor filme experimental e melhor Cinematografia no Festival Vacif (Canadá).

Confira nosso bate papo com Katherina Tsirakis sobre o processo para tirar o primeiro curta nacional em 3D do papel.

Cinema e Pipoca: Como surgiu a ideia do filme e qual o significado do título?

Katherina Tsirakis: Surgiu em 2008, quando passeava por lá e tive uma experiência desafiadora. O carro turístico que me levava para passear pelo deserto quebrou e a operação de resgate foi bastante desajeitada. Fora a dificuldade de chegar lá e as condições do lugar, que por ser muito alto cria uma dificuldade respiratória pelo ar ser rarefeito. Eu, que já dançava desde os 3 anos de idade, fui embora emocionada pela experiência de sobrevivência, e pensava “eu vou vencer essa imensidão com a minha dança um dia”.

Cinema e Pipoca: Por que uma história passada no Salar do Uyuni? E em quantos dias foram feitas as filmagens por lá?

Katherina Tsirakis: A historia se passa no Salar do Uyuni porque quando eu fui passear por lá em 2008, fiquei muito tocada com a cultura e a paisagem. Logo compreendi com os Bolivianos que aquele era um lugar mágico e muito especial no mundo. No entanto o acesso era muito difícil. É um deserto ermo e enquanto passeávamos nosso carro turístico quebrou e eu passei por algumas horas de pânico no deserto.

Fora isso a altitude do lugar torna impossível para pessoas com pressão alta chegarem lá. Eu tenho uma avó muito animada com seus 80 anos, que adora passear, mas eu entendi que ela, por exemplo, pela condição da pressão alta não poderia chegar ali. Assim nasceu em mim a vontade de levar pessoas para lá de outra forma – através do filme, e de um filme 3D para incrementar a sensação de estar lá.

Tudo isso ficou comigo anos, e um belo dia quando fui oferecida pelo meu pai a oportunidade ($) de investir em um projeto pessoal eu escolhi esse, sem titubear. A filmagem foi feita em oito dias imersos no deserto. Nós percorremos entre as diversas locações mais de 2 mil quilômetros. Foi uma viagem desafiadora fisicamente para a equipe e principalmente para os interpretes. Gratificante no seu resultado, e no reconhecimento agora conquistado por essa maravilhosa equipe no mundo!

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Trecho do curta Janaxpacha

Cinema e Pipoca: Houve algum episódio interessante, curioso ou tenso que a equipe passou no Salar e que poderiam nos contar?

Katherina Tsirakis: Após o primeiro dia de filmagem no deserto de sal nós estávamos no pé do vulcão Thunupa, num albergue para nossa pernoite. Foi quando os motoristas nos informaram que a Bolívia estava em greve em apoio ao presidente Evo Morales. Eles tranquilamente nos avisaram que, por apoiarem a causa da greve, não iriam mais nos levar a lugar algum. Poderíamos voltar outra hora para filmar. Eles não sabiam que quem estava pagando a viagem e o filme era eu mesma até então, e o que isso significava para mim. Eu tentei explicar mas eles pareceram pouco se importar. Discutimos por algum tempo com a equipe inteira o que fazer e não chegamos a resultados. Por um lado nosso desejo de seguir por outro a impossibilidade colocada por Faustino, o líder dos nossos motoristas.

Foi então que eu resolvi tirar da minha mala a tal da oferenda. Convoquei a todos da equipe para se juntarem a mim nesse ritual. Quando Faustino viu eu montado a cerimônia ele me perguntou sério, “Você sabe o que você está fazendo?” ao qual eu respondi “Não, você sabe o que eu estou fazendo?” ao qual Faustino respondeu “sim” então eu pedi que ele então me guiasse e fosse meu mestre de cerimônias. Ele então, montou nosso ritual, pediu para que a equipe fizesse uma roda em volta da oferenda e pediu que eu dissesse o porque do filme e da oferenda, e pediu que cada um da equipe enunciasse uma intenção pro filme. Foi um momento lindo. O fogo levou nossas intenções pro ar e na sequencia Faustino contou a história do vulcão Thunupa que para eles é uma Deusa, padroeira da Bolivia. Foi um momento muito emocionante.

No dia seguinte pela manhã Faustino nos trouxe a noticia: “Nós vamos furar a greve por causa de vocês, nós vamos seguir e vocês vão fazer o filme de vocês”. E assim sem mais, seguimos e conseguimos concretizar um sonho de longa data.

No último dia de filmagem nós fomos perseguidos por homens armados que estavam fechando as estradas, e eles ficaram bravos de serem contrariados na sua greve. Os nossos motoristas fugiram conosco dentro do carro enquanto de uma perseguição na estrada. Era o último dia de filmagem e eu estava toda pintada de azul por causa de um plano rodado naquele dia. Esperei azul, literalmente, na calçada a todos os carros chegarem seguros daquele evento surreal de perseguição.

Nós escapamos chegando sãos e salvos ao hotel, não houve troca de tiros graças a Deus, mas eles nos explicaram “são nossos primos, que estão lutando com Evo pelos nossos direitos, nós devíamos estar com eles na greve, mas depois a gente explica pra eles o porque de não termos aderido à greve.” Eu só tenho a agradecer a Thunupa por ter nos permitido filmar no seu território, e ter nos devolvido em segurança.

Cinema e Pipoca: Janaxpacha foi pensado desde o início em ser um curta em 3D? Há muitas diferenças para um diretor em comparação com o 2D?

Katherina Tsirakis: Não foi sempre pensado como um filme 3D. A vontade surgiu no processo conforme eu fui explicando pra equipe essa questão da dificuldade do acesso à região. O quanto estar lá é duro no corpo. Foi então que Dimitre Lucho sugeriu realizarmos em 3D já na etapa de ensaio e roteirização. E é bastante diferente; a montagem das câmeras num rig demora, e torna a câmera muito mais frágil e pesada. Isso dificultou usos de movimentação de câmera, nós nos garantimos pois o conceito do filme já vinha das artes visuais, das pinturas surrealistas então combinou com o nosso conceito de um 3D suave e agradável para o olhar essa limitação. Mas no geral é duplamente mais difícil gravar em 3D.

O resultado no entanto vale a pela, porque cumprimos nossa missão de transportar o espectador para o Salar do Uyuni num clima de contemplação. No entanto no festival Courant3D que tive a oportunidade de frequentar esse ano que passou com o Janaxpacha, festival aonde fomos premiados “Melhor filme”. Pude observar o quanto realmente Renato Falcão arrasou no seu trabalho, pois o uso do 3D nem sempre é totalmente confortável aos olhos, tem que saber usa-lo muito bem e essa experiencia ele já trazia dos seus trabalhos anteriores.

Cinema e Pipoca: Como foi o processo de escolha do elenco?

Katherina Tsirakis: O processo de escolha do elenco foi muito fácil. Antes mesmo de ter um co-diretor, o Dimitre Lucho, eu já estava ensaiando o roteiro com Eros Valério, então meu colega de apartamento. Nós éramos muito amigos, já havíamos trabalhado juntos antes em mais de uma situação, estávamos morando juntos e ele foi o primeiro a acreditar na ideia e me ajudar a desenvolve-la. Quando Dimitre Lucho entrou na equipe ele queria muito trabalhar com Daniel Oliveira, que é um amigo dele.

Nós então desenvolvemos os personagens para acomodar esses interpretes. Partimos de um processo de criação que é tradicional da dança: nós partimos da fiscalidade do espaço (que eu já conhecia e mostrei minuciosamente através de fotos na internet para os colaboradores) e a fisicalidade das pessoas. Na dança é muito comum partir da fiscalidade para a narrativa, pois há uma narrativa intrínseca à fisicalidade. Fomos inspirados pelos moldes da criação da Pina Bausch. Ela expõe aos intérpretes estímulos de pesquisa a partir dos quais esses trazem uma movimentação para a criação que ela tece em narrativa através do todo.

Quando Daniel Oliveira desistiu por um conflito de agendas, o seu papel já fora criado por nós. Então tivemos que substituí-lo e foi assim que eu chamei um outro colega de trabalho, o Rodrigo Andreolli que eu já conhecia de quando trabalhamos com Zé Celso na Bienal de 2010. Seguimos dançando juntos, Rodrigo Andreolli e eu em companhias e obras de dança. Eu já tinha muita admiração por ele, que já acompanhava o projeto à distância. De repente a oportunidade se fez e ele entrou pro time.

Cinema e Pipoca: Identidade é uma palavra que está bem presente na sinopse. Acredita que o curta pode ser um grito de socorro por conta da falta de identidade de muitos brasileiros hoje em dia (seja identidade na arte, nas questões sociais, políticas e etc)?

Katherina Tsirakis: A identidade é uma questão de busca para todo ser humano. O filme tenta levar justamente essa questão pruma campo de abstração para que o espectador possa levar essa contemplação para suas questões pessoais. No festival do Chile por exemplo um dos curadores me contou a sua formação identitária após o filme eu achei aquilo muito emocionante, ele se identificou na sua busca pessoal. Cada um leva para uma busca identitária diferente, seja no plano pessoal, das artes.

Eu não faria uma crítica aos Brasileiros, pois me considero uma cidadã do mundo, acredito que essas questões são universais… a busca da identidade. É um grito de socorro no sentido de humanizar e sensibilizar nossa jornada, e principalmente de inspirar essa busca. O aprofundamento nessa busca nunca acaba e ela é sim aplicável a vários níveis da vida.

Teve espectador que achou que era um filme que levanta a bandeira gay. Tudo bem, talvez essa seja a busca e a identidade daquele sujeito. Isso que é maravilhoso da arte, a beleza está nos olhos de quem vê. Nesse sentido entendo que talvez o Brasil esteja pouco sensível, talvez nossos olhos não estejam tão cheios de beleza quanto desejamos; essa é a missão do filme: acordar / inspirar a beleza nos olhos de quem vê!

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Trecho do curta Janaxpacha

Cinema e Pipoca: A experiência de Renato Falcão como diretor de fotografia de animações, ajudou, de alguma maneira, neste processo?

Katherina Tsirakis: Ajudou muito, não tenho dúvida. Sua experiência como criador de imagens, sua ampla experiencia com semiótica, e sua ampla experiência com 3D fez com que ele tivesse uma montagem minuciosa de cada plano. Foi maravilhoso trabalhar com ele. Ele estava sempre prestando muita atenção aos mínimos detalhes do relevo da paisagem, ao caminho que o sol ia fazer no local. Ele era nossa bússola imagética, junto com Faustino nossa bússola de trajetória.

Trabalhar com Renato Falcão foi um imenso prazer, a ampla experiencia dele serviu pra criar planos maravilhosamente executados, uma calma e confiança nele no Set eram intrínsecas à sua presença. Todos sentiam-se seguros na mão (câmera) do Falcão. Sem contar que ele é um exemplo no set no lido com pessoas. Sem ele o 3D não teria sido possível, integrava a nossa equipe de câmera ele e o Leonardo Maestrelli apenas, eles fizeram tudo possível e devolveram um material lindo demais! Muita gratidão por essa equipe de foto!

 

 

Cinema e Pipoca: O espectador brasileiro dificilmente vai atrás de um curta metragem, por exemplo. Acreditam que falta incentivo para que tais produções tenham maior visibilidade?

Katherina Tsirakis: Sim, acredito sim. E acredito também que haja menos espaço ainda para esse tipo de curta, que é assumidamente artístico e experimental, mas que não abandona a narrativa na sua experimentação estética. Ficamos desapontados com a falta de aceitação por aqui em mostras e festivais, e acervos.

Cinema e Pipoca: Existem planos para futuros projetos? Se sim, poderia nos contar um pouco sobre eles?

Katherina Tsirakis: Estou terminando um curta-metragem chamado Rei dos Lobos, que deve ser finalizado em 2018, com a mesma linguagem.

Estou escrevendo um longa-metragem entitulado Cinto DÁgua, que brinca dessa vez brinca com a linguagem clássica do cinema: com a linguagem do musical, para mais uma vez embrenhar a dança na narrativa cinematográfica. Dessa vez trata-se de uma mulher que foi silenciada pelas pressões da vida feminina, assim na busca da sua expressão no mundo ela dança escondida. Musical, tragicômico, com uma forte veia artística que busca mais uma vez sensibilizar o espectador para a dança como linguagem.

Quero desenvolver Janaxpacha no formato série para TV, algum dia com os devidos recursos para tanto. Como Spike Lee fez com seu filme Ela quer tudo que foi regravado em formato de série.

Fora isso estou desenvolvendo um álbum de músicas que terá um show híbrido entre audiovisual, dança (com bailarinos ao vivo) e show de músicas (de minha composição). Chama-se: Lilith.

Confira o trailer de Janaxpacha, primeiro curta nacional em 3D:

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