Eu, Samylly Vellaskes | Diretor fala sobre o projeto

samylly show

Rodrigo Lara, diretor campineiro do curta Eu, Samylly Vellaskes fala sobre o projeto e as dificuldades para financiamento, sobre intolerância e preconceito. No curta, vemos a transformação do jovem Bruno, que encontrou na arte drag queen a possibilidade de ser “menino de dia e menina de noite”.

Cinema e Pipoca: Conte-nos um pouco sobre sua carreira até chegar a Eu, Samylly Vellaskes.
Rodrigo Lara: Eu sou um cinéfilo apaixonado. Tudo começou aí. Sou formado em Direito pela Puc-Campinas mas sempre tive o sonho de fazer filmes. Após um curso livre de “Videomaker” no Senac de Campinas (2012) decidi iniciar uma graduação em Cinema e Audiovisual. Ingressei no CEUNSP – Centro Educacional Nossa Senhora do Patrocínio, em Salto (SP). Em quatro anos de graduação montei um coletivo para produção audiovisual, Eora Filmes, e já realizamos mais de 10 curtas, 2 videoclipes e vídeos institucionais.

Minha primeira direção foi o curta documental “Temporada de Caça” (18 min) de 2014 em que resgatamos a memória do XXX Congresso da UNE de 1968 – que foi interrompido pelo DOPS com a prisão dos estudantes e perseguição da família que emprestou o sítio aos estudantes. Esse projeto ficou entre os 5 melhores documentários universitários da região Sudeste no Congresso de Comunicação, além de ter aberto as portas há alguns festivais.

Eu, Samylly Vellaskes
Foto: Poster do filme

No ano seguinte nasceu Eu, Samylly Vellaskes (12 min / 2015). Esse projeto foi muito especial e a aceitação em festivais me surpreendeu bastante. Conquistamos os prêmios de melhor documentário e melhor roteiro de documentário universitário da região Sudeste e fomos finalistas nessas categorias no Congresso Nacional.

Esse ano acabei de finalizar meu 3º documentário, dessa vez falando sobre a dificuldade da identidade transexual. É um projeto de 16 minutos, chamado “Trincado” e que só foi possível a partir da seleção em um Edita de Cultura da Secretaria de Cultura da Prefeitura de Salto. O lançamento deve acontecer em novembro.

Também estamos finalizando nosso TCC que é um curta de ficção “A Casa de Ventos” que é um projeto de curta metragem ficcional de 17 minutos que se apropriará do tom de fábula para expor o drama da “adoção tardia” de um casal de irmãos: Mariana tem 9 anos e Murilo 7. A idade é considerada avançada e fora do perfil preferencial de adoção no Brasil. Além disso, os irmãos são negros e a adoção deverá ser conjunta. Neste trabalho sou o produtor e a direção é de Gustavo Martinez.

CP: O cenário para exibição de um projeto como Eu, Samylly Vellaskes, que toca em um tema delicado para a sociedade brasileira que ainda é conservadora, é muito difícil?
RL: Sim. Naturalmente já é bastante difícil conseguir espaço para exibir curtas. Quando você opta por tocar em feridas sociais e temas polêmicos a dificuldade é um pouco maior. É bem difícil fugir do estigma de filme gay para público gay. Eu, Samylly Vellaskes é um curta realizado pensando primeiramente no público heterossexual e nas famílias que ainda tem muita dificuldade em aceitar seus filhos. A recepção do público tem sido muito emocionante. Isso faz acreditar que vale a pena lutar contra a maré conservadora que vem se fortalecendo no Brasil.

CP: Como conheceu Bruno e como se deu a aproximação e o convite para ser o personagem do filme?
RL: Não conhecia o Bruno nem a drag “Samylly Vellaskes”. O projeto nasceu após uma notícia sobre o assassinato brutal de uma enfermeira transexual e que também era artista performático: Géia Borghi em outubro de 2014. Esse crime odioso me despertou a vontade de reagir. Senti a necessidade de entrar na luta pelos direitos LGBTS pois é inadmissível que o Brasil seja o líder mundial de assassinatos de travestis, transexuais e transgêneros. Eu queria entender de onde vem todo esse ódio. A ideia inicial era fazer um curta sobre as dificuldades das travestis. Foi um amigo que me indicou o Bruno e, mesmo sem conhecer ao vivo, decidi começar minhas pesquisas com as drags queens.

A aproximação também seguiu um “ritual” de estranhamento. Conversei com ele somente através de reder sociais por cerca de um mês. O projeto, por ser universitário, foi selecionado por uma comissão a partir de um pitching que é bastante disputado na faculdade e que simula muito o processo real. Eu só conheci o Bruno, ou melhor, a Samylly Vellaskes duas horas antes da banca de seleção. A gente tinha 3 minutos para “vender” a ideia do projeto e usei 2 minutos na defesa oral reservando 1 minuto para uma entrada performática do artista. Foi um estouro. Eu estava bastante emocionado e isso ajudou a presença dela ajudou muito a mostrar a graça e o desconforto que é lidar com esse tema.

Depois de aprovado tivemos 8 meses de bastante convívio e conversas até florescer a ideia final do projeto. Acredito que foi quase uma gestação, uma troca importante na vida da equipe e do próprio Bruno.

Eu, Samylly Vellaskes
Foto: Bruno/Samylly, Rodrigo Lara e Douglas Holanda

CP: Quanto tempo acompanharam Bruno? E qual o nível de preconceito que encontraram?
RL: Sobre preconceito. Digamos que a ideia de cena final para o curta era uma performance de Samylly na praça da Torre do Castelo. Fomos para lá por volta de 3 horas da manhã após gravar cenas em uma balada. Infelizmente não conseguimos usar as cenas gravadas na praça pois a cada instante passava um carro nos agredindo verbalmente e ofendendo a Samylly. Foi bem triste. Mas achamos outra forma para expor essa questão sem precisar dar voz à ignorância.

CP: Quão diferente Bruno é de Samylly?
RL: Penso que são duas pessoas bem diferentes. Como ele mesmo diz, Bruno é um menino de dia e de noite ele se torna rainha. A relação é a seguinte, de dia ele tem uma jornada de trabalho como a de muitos jovens, são muitas as dificuldades, desde a carga horária até o deslocamento. De noite ele entra em um mundo de glamour em que se torna uma celebridade admirada. Então diria que ele vai da invisibilidade ao protagonismo a partir de uma peruca e maquiagem. Porém o ser humano que está dentro da mente é único.

trincado
Foto: Pôster do cuta Trincado

CP: Como é fazer cinema independente em Campinas?
RL: Não é fácil. Campinas não tem tradição de incentivo à cultura. É uma cidade que ainda precisa aprender a valorizar e incentivar a cultura local. E isso passa pela questão de fomento. Diversas cidades do interior estão muito mais avançadas em políticas culturais – como por exemplo, Salto. É preciso que os núcleos criativos audiovisuais da cidade se reúnam e formem meios de pressionar a Secretaria de Cultura.

CP: Tem algum outro projeto para o futuro? Poderia nos falar a respeito?
RL: Além de “Trincado” e “A Casa de Vento” que serão lançados esse ano, estou pesquisando para dois outros documentários, mas ainda está bem prematuro o processo. Ideias e motivações não faltam.

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Primeiro vingador do Cinema e Séries (antigo Cinema e Pipoca) e do Pipocast, sou formado em Jornalismo e também em Locução. Aprendi a ser ‘nerdzinho’ bem moleque, quando não perdia um episódio de Cavaleiros do Zodíaco na TV Manchete ou os clássicos oitentistas na Sessão da Tarde. Além disso, moldei meu caráter não só com os ensinamentos dos pais, mas também com os astros e estrelas da Sétima Arte que me fizeram sonhar, imaginar e crescer. Também sou Redator Freelancer.

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