Se já é difícil um roteirista nacional conseguir se fixar em nosso mercado, imagine sair daqui para ganhar a vida nos Estados Unidos. Nesta entrevista com Júlia Câmara, roteirista do suspense Ocupantes (que será distribuído por aqui pela A2 Filmes) ela nos contou sobre este longo caminho que percorreu e seu novos projetos que estão por vir.
Numa destas perguntas, ela nos contou que sempre esteve envolvida no meio artístico e já passou por diversas experiências no ramo: “Fui freelancer durante anos como tradutora de legendagem para cinema e televisão. Escrevi e dirigi curtas premiados, incluindo “House Cleaning”, Melhor Curta Comédia no Festival Internacional de Cinema Independente de Nova York de 2012, e “Quero te Encontrar”, Melhor Curta no Broad Humor Film Festival de 2015. Escrevi o roteiro do longa “Área Q” (estrelado por Isaiah Washington e Murilo Rosa) e o road movie “Angie” (estrelado por Andy Garcia, Juliette Lewis, Camilla Belle, Cristiane Torloni e Carol Castro)“.
Abaixo segue a entrevista com Júlia Câmara na íntegra!
Cinema e Pipoca: Como surgiu a ideia para o roteiro? E ele foi escrito em quanto tempo?
Júlia Câmara: Eu tinha muita vontade de escrever um roteiro no gênero de found footage. Então comecei a bolar a história ao contrário. Dois personagens em um local. Aí tive que pensar na razão das câmeras e em quem eram os personagens. A princípio imaginei só um casal que, aparentemente, tinha um casamento feliz, mas que as câmeras revelariam não ser o caso. Quanto mais eu desenvolvia a história, mas achava que a plateia odiaria este casal que faz coisas terríveis um com o outro. Então achei que seria interessante se fossem dois casais idênticos, porém com diferenças chaves de escolhas de vida e de dinâmica entre eles.
Escrevi oitenta por cento da primeira versão do roteiro em um voo de Los Angeles para São Paulo. E depois levei mais ou menos um mês para reescreve-lo e poli-lo. Ainda fiz mais umas duas versões antes do roteiro chegar as mãos do produtor Howard Nash.
CP: O cenário para roteiristas de filmes independentes no Brasil e nos Estados Unidos é muito diferente?
JC: Fazer cinema é difícil em qualquer lugar do mundo, acredito eu. A grande diferença entre o Brasil e EUA é o tamanho do mercado. Apesar do mercado brasileiro de filmes e séries de televisão estar crescendo, a quantidade nos EUA nunca esteve maior. Ao mesmo tempo que existem mais produtoras nos EUA do que no Brasil, também existem mais roteiristas correndo atrás das mesmas oportunidades.
CP: Você já escreveu o road movie Angie, o suspense Área Q com diversas locações e agora este Ocupantes é centralizado em pouquíssimas locações e poucos atores. O desafio neste último caso é maior?
JC: O desafio é maior sim. Até por questões visuais. Num filme com locações e personagens diferentes, você tem a chance de escapar um pouco para uma externa aqui e ali. No caso de Ocupantes, isso não existe. A plateia só vê o interior da casa, mesmo os personagens tendo uma vida fora dela. Tinha medo da coisa ficar meio cansativa, visualmente. Mas acho que o Russ fez um grande trabalho ao criar ambientes visualmente diferentes dentro da casa, e ao dirigir os atores criando uma dinâmica interessante.
CP: O roteiro tem como pilar fundamental as dimensões paralelas. Quais os filmes com esta temática que você gosta? E teve algum que foi usado como inspiração?
JC: Muita da minha inspiração veio de Star Trek, Além da Imaginação, Contos da Cripta e A Quinta Dimensão. Alguns filmes que assisti e foram uma boa referência são Te Amarei para Sempre, Time Lapse, A Outra Terra, Efeito Borboleta. E o Ocupantes já foi muito comparado com De Caso com o Acaso.
CP: Como foi sua interação com o diretor Russ Emanuel durante as filmagens? Você esteve presente?
JC: Eu trabalhei bastante com o Russ e com o nosso produtor, Howard Nash, na fase de desenvolvimento do roteiro. Deu para perceber logo no começo que tínhamos uma visão muito parecida de como a história deveria ser contada. Eu acabei a última versão do roteiro no dia 18 de abril de 2014. No dia 27 de abril a minha filha nasceu. Então, enquanto a equipe trabalhava na pré-produção, eu estava completamente dedicada à minha pequena.
Em setembro as filmagens começaram, e eu estava ainda em licença maternidade. Mas fiz questão de ir visitar o set algumas vezes. Para mim, estar no set é sempre uma chance de poder aprender um pouco mais. Principalmente se não estou no set como diretora. Foi muito bom ver o processo do Russ de dirigir atores, lidar com a equipe e construir um ambiente de trabalho muito profissional e eficaz.
Russ e eu tivemos a chance de realmente nos conhecermos, já que levamos o filme para várias convenções como a San Diego Comicon, Rose City Comicon e Phoenix Comicon. O Ocupantes também passou em vários festivais de cinema nos EUA, então nós embarcamos juntos na turnê mundial Ocupantes, indo para várias cidades diferentes e participando de palestras e entrevistas.
CP: O filme faturou diversos prêmios ao redor do mundo e concorre no Rock Horror in Rio Film Festival. Vocês esperavam toda esta repercussão?
JC: Acho que todo roteirista quando começa a escrever um roteiro novo, ao mesmo tempo começa a escrever seu discurso para quando vencer o Oscar por aquele filme. Brincadeiras a parte, comecei simplesmente querendo fazer um filme interessante e de orçamento pequeno. O Russ me disse que desde o começo ele sentia que este filme tinha grande potencial. Mesmo depois de tanto tempo no circuito de festivais, o fato de continuarmos recebendo prêmios e convites para outros eventos me deixa super feliz e bem surpresa.
CP: Existem planos para que Ocupantes entre em circuito comercial?
JC: Existem sim. Ainda não tenho datas específicas mas assim que tiver eu aviso.
CP: Pensa em um Ocupantes 2?
JC: O roteiro está quase pronto. Na verdade, mandei a primeira versão para o Russ e o Howard estes dias. Acabei de escrever o roteiro no voo vindo para o Brasil. Algo muito simbólico para este filme.
CP: Tem outros projetos para o futuro? Poderia nos contar um pouco a respeito deles?
JC: Estou em pós-produção com dois filmes; um curta rodado em São Paulo e em português, e um longa rodado em Los Angeles em inglês e português. “Intangível” é um curta baseado em um roteiro para um longa-metragem. O filme é sobre o espírito de uma mulher solitária que se apaixona por um vizinho que recentemente se tornou cego. O elenco inclui Renata Hallada e Gustavo Braunstein. Depois do curta finalizado, a ideia é de rodar o longa aqui no Brasil.
“In Transit” é um longa-metragem sobre duas pessoas que se conhecem no aeroporto de Los Angeles enquanto esperam por seus voos. O elenco do filme inclui Branca Ferrazo, Oliver Rayon, Al Danuzio. A previsão de lançamento do filme é Setembro/Outubro deste ano.
E aí, o que achou da entrevista com Júlia Câmara? Já viu algum filme escrito ou dirigido por ela? Comente conosco!