Afinal, Duro de Matar é um filme de Natal? | Rebobina 001

No mundo do cinema, existe uma pergunta que surge todo Natal desde 1988: afinal, Duro de Matar é ou não é um filme natalino? O fato de a história se passar na véspera da data e trazer diversas referências à festividade não deixa muita margem para discussão. Porém, ao analisar o roteiro mais de perto, percebe-se que o roteiro faz questão de dizer que não é um filme sobre isso — mesmo fazendo de tudo para que você ache que é, sim.

John McClane (Bruce Willis) é um policial de Nova York que viaja até Los Angeles para passar o Natal com a família, que se mudou para lá depois que sua esposa (Bonnie Bedelia) recebeu uma excelente proposta de trabalho no luxuoso edifício Nakatomi Plaza. Entretanto, durante a festa de confraternização, o local é invadido por criminosos fortemente armados. E, é claro, acaba sobrando para ele salvar o Natal.

Duro de Matar

Duro de Matar: uma obra prima explosiva

Um filme natalino sobre homens com armas e sequestro, repleto de tiros e explosões? Não faz nenhum sentido — e é justamente aí que está a graça. O roteiro, muito bem escrito por Steven E. de Souza (48 Horas, Comando Para Matar) e Jeb Stuart (O Fugitivo), que adaptam o livro Nothing Lasts Forever, de Roderick Thorp, usa o Natal como pano de fundo para explorar contrastes.

O começo mostra John agarrado a um assento de avião na aterrisagem. Logo descobrimos que ele é um policial. Oras bolas, é possível um valentão desse ter medo de voar? Sim, apesar do contraste, ele é gente como a gente, só que também é policial. Na sequência, ele sai da aeronave agarrado a um enorme urso de pelúcia, para não restar dúvidas de que conheceremos um novo tipo de brutamontes no cinema. E esses extremos continuam.

A trama se passa em Los Angeles, uma cidade pouco natalina se comparada a Nova York, de onde vem McLane. As autoridades, que deveriam solucionar o problema, atrapalham. Não que os policiais de Los Angeles sejam incompetentes, mas o roteiro aborda de forma sutil o fato da cidade ensolarada amolecer mais as pessoas do que a fria capital nova-iorquina, inclusive homens da lei.

A imprensa, por exemplo, que deveria informar com cautela, revela o que não deveria — tudo movido pela busca do sensacionalismo, explorando tragédias com invasão de privacidade e até ameaças. No filme, o jornalista Richard Thornburg (William Atherton) distorce fatos e acaba se tornando um vilão indireto, despertando desconfiança e repulsa justamente de quem deveríamos esperar responsabilidade e credibilidade na informação.

Os terroristas, que supostamente lutariam por uma causa, são apenas ladrões. Eles não medem esforços para parecer algo maior do que realmente são. O armamento é pesado: mísseis de bom alcance, explosivos sofisticados e rifles automáticos impressionam até quem decide fazer uma conta rápida entre o custo da operação e o valor roubado — o que nos leva a imaginar que há alguém maior financiando tudo, apenas para ferir os norte-americanos.

Duro de Matar

Duro de Matar é revolucionário

Como filme de ação, Duro de Matar revolucionou o gênero. Como já citamos, o “machão” aqui é vulnerável, diferente de Rambo ou dos exterminadores do futuro. Toda a história se passa dentro de um único ambiente — e não em várias locações ou cidades —, e esse exercício de estilo seria revisitado pelo próprio diretor de fotografia, Jan de Bont, em Velocidade Máxima (1994), por exemplo. Tudo acontece em apenas uma noite — os criadores do seriado 24 Horas agradecem a porta . As cenas orquestradas por John McTiernan (de Predador, lançado no ano anterior), numa era anterior aos efeitos digitais, são de tirar o fôlego.

E não para por aí. Diferente de comédias policiais como Um Tira da Pesada (1984), aqui temos um filme de ação com diálogos de humor que se encaixam perfeitamente em Bruce Willis — que alcança o estrelato após ter sido revelado no sitcom A Gata e o Rato. Não podemos esquecer do vilão Hans Gruber, interpretado magistralmente pelo saudoso Alan Rickman, 13 anos antes de viver Snape em Harry Potter. Ele não é bruto: tem classe, é manipulador, inteligente e articulado.

Por fim, chegamos ao veredito: afinal, Duro de Matar é um filme de Natal ou não? Apesar da chuva de papel no final para simular neve ao som de “Let It Snow”, tenho que admitir que tudo foi orquestrado para que essa dúvida permanecesse para sempre. Afinal, filmes de Natal não costumam estrear em pleno meio do ano, como aconteceu neste caso para aproveitar o verão norte-americano… ou estreiam?

Aqui no Brasil, poderia dizer que fomos ainda mais ludibriados, pois o lançamento ocorreu próximo ao dia 22 de dezembro daquele ano. Entretanto, vivemos por aqui um clima natalino “nortista” fake, com neve artificial, renas usando gorros no verão e Papai Noel suando no shopping. Afinal, quem estava enganando quem? No fim das contas, talvez Duro de Matar seja natalino o suficiente… pelo menos tão natalino quanto o nosso Natal de 40 graus.

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