Procurar entender a figura misteriosa de Alfred Hitchcock é querer resolver um enigma indecifrável. Ficamos diante de uma esfinge: Decifra-me ou devoro-te – no caso de Hitchcock, seríamos devorados. Como entender um homem que amava as suas heroínas – principalmente as loiras, não morria de amores pelos atores, tinha uma língua sagaz, era metódico, extremamente inteligente, eficiente, possuía um humor negro tão desafiador que chegava a nos assustar com suas frases do tipo: “Nem só de homicídios vive o homem.”, “Sempre faça o público sofrer tanto quanto possível.”, “Tenho a cura perfeita para curar uma dor de garganta: cortá-la.”, “Nunca vire as costa a um amigo.” ou “Atores são gados.” – estas são algumas de suas inúmeras de frases que, durante sua vida, disparou como rajadas de balas saindo de uma metralhadora. Era um homem estranho para muitos e um homem comum para poucos. Nunca haverá um diretor como Alfred Hitchcock, que entendia de cinema como ninguém e como essa indústria funcionava.
“Hitch” – como era chamado carinhosamente por seus atores mais próximos e por pessoas que trabalhavam diretamente com ele, era um diretor que gostava de ter as rédeas de uma produção bem firme em suas mãos, isso porque sabia exatamente o que queria e como queria – claro que ele não era exatamente completo por si só, tinha sua esposa que, por muito anos, o ajudou a consolidar-se como um dos mais aclamados diretores de todos os tempos. Cabe bem aqui aquela frase (por mais machista que possa parecer): Atrás de um grande homem, existe sempre uma grande mulher. Alma Reville era uma mulher inteligente, roteirista e sabia também o que era melhor para os filmes do seu marido – seu papel durante a produção de ‘Psicose’ foi extremamente importante para o seu sucesso em 1960. Hitchcock certa vez questionou a esposa, o que deveria fazer para prender ainda mais à atenção do público, quando ainda estava lendo o romance do autor Robert Bloch e já pensando no roteiro do filme. Alma simplesmente virou e disse: mate a heroína nos primeiros vinte minutos do filme. Aí estava um ponto de virada, um ponto chave, jamais usado até então.
Uma linda mulher se hospeda num motel de beira de estrada. Despe-se no quarto, entra no banheiro. Ela fecha a cortina do box e deixa que a água jorre pelo chuveiro, banhando seu corpo cansado de uma noite de viagem. De repente um vulto aparece difuso através da cortina de plástico. A cortina se abre. Uma faca é suspensa no ar, empunhada pelas mãos de uma velha senhora. Música, gritos, facadas e sangue preenche o ambiente do pequeno banheiro do Bates Motel. A partir daquele momento, nunca mais tomaríamos banho com as portas destrancadas.
Mas, antes de chegarmos a esta cena antológica que ficou marcada na história da cinematografia mundial, temos que contar um pouco da história dessa mulher que fora assassinada no banheiro.
O filme começa com Marion Crane (Janet Leigh), uma secretária de uma imobiliária que rouba 40 mil dólares para se casar com Sam Loomis (John Gavin) e viver feliz para sempre. Mas, no meio do caminho e durante uma noite de chuva, Marion se perde por uma estrada tortuosa e se depara com o letreiro do Bates Motel, uma hospedaria que ficou isolada por causa da construção de uma nova autoestrada principal. Marion não consegue seguir adiante com seu plano, durante sua estadia no motel, pensa em voltar e devolver o dinheiro. No motel conhece Norman Bates (Antony Perkins) um rapaz que se mostra só e isolado, porque tem que cuidar da mãe doente – uma mulher severa e dominadora. Uma atmosfera de suspense começa a brotar entre Norman e a jovem Marion. Num diálogo enxuto e bem construído, nos primeiros minutos em que começamos a conhecer a personagem de Antony Perkins, já fica bem claro que existe algo de atormentador na psique de Norman – sua paixão desmedida por sua mãe.
Aqui, Alfred Hitchcock faz o público tremer nas poltronas dos cinemas com a famosa sequência do chuveiro, que viria se tornar uma das cenas mais populares da sétima arte. Com isso, assume definitivamente seu posto como o mestre do suspense.
Depois de tantos tropeços profissionais e pessoais, que chegou a envolver até seu casamento, a produção de ‘Psicose’ ficou em segredo, fazendo o diretor reunir a equipe e promover um juramento para que ninguém, em hipótese alguma, poderia comentar o que se passaria dentro do estúdio durante as filmagens. O filme foi lançado em poucas salas de cinema, mas com a astúcia de Hitchcock, que também tinha tino para promover seus projetos, não mediu esforços, fez uma campanha e logo depois o filme se tornou sucesso imediato no mundo todo.
Para quem gosta de cinema e quer entender a linguagem cinematográfica é essencial que veja e reveja os filmes desse mestre; são pura aulas de direção. Em cada trabalho, Hitch conseguia surpreender o público e a crítica e gostava de produzi-los de forma desafiadora, algo que fosse estimulante tanto para ele como para o público.
No elenco estão também: Vera Miles, Martim Balsam, John McIntire, Simon Oakland e Vaughn Taylor.
Com certeza, se Alfred Hitchcock estivesse vivo, seria o maior cineasta de toda a história do cinema. Seus filmes ainda continuam vivos, sua direção continua latente e referência para muitos cineastas e admiradores do gênero suspense. É incrível que depois de tantas décadas, Hitchcock ainda continue apontando sua faca afiada para nós, mesmo dentro de um banheiro.
Por Wilson Roque Basso