
O mais novo capítulo da filmografia de Kleber Mendonça Filho está entre nós, dessa vez juntando-se ao aclamadíssimo Wagner Moura para um filme que quebra expectativas e promete para a temporada de premiações, inclusive colocando o ator brasileiro como um dos favoritos ao Oscar. Mas O Agente Secreto é tudo isso mesmo?
Quebra de expectativa gigante em O Agente Secreto
Hoje em dia é difícil você não esbarrar em material promocional para um filme antes de vê-lo propriamente. Com este eu dei meu máximo para ficar longe de trailers e sinopses, mas não há como fugir do título e do cartaz dele, que são, de certa forma, enigmáticos, já que vendo eles, a sua expectativa é ir ao cinema para ver o Wagner Moura como… um James Bond brasileiro?
A primeira expectativa é quebrada quando você se depara com um filme, não de ação, carrões e relógios explosivos, mas um drama de época sobre um cidadão comum fugindo de seu passado no período de Ditadura Militar no Brasil.
Então, vale a pena assistir a O Agente Secreto? Em suma, resposta não é direta, mas realmente depende. Ele não é um filme que deve agradar ao grande público como é um blockbuster. Com suas duas horas e quarenta de duração, certamente perderá grande parte de seu apelo pelo ritmo mais ralentado e contemplativo. Mas se, como para mim, você for fisgado pela história e conseguir entender os subtextos que Kleber Mendonça Filho apresenta, terá uma grande chance de gostar muito.
Wagner Moura e Kleber Mendonça Filho. Uma dupla e tanto.
Tirando do caminho de cara, sim, Wagner Moura é espetacular em seu papel como “Marcelo”. Sua atuação não é daquelas que você se emociona, ou vê uma grande entrega em cena dramática, mas é uma performance em que você acredita, se identifica. Eu acreditei que aquele homem existia e acreditei nos seus ideais, e Wagner me fez conhecer ele quase por inteiro, somente o vivendo.
Kleber Mendonça também dá aula na direção e roteiro do longa. A montagem e fotografia são espetaculares. Eu pessoalmente não vivi na década de 70, mas nem por um segundo deixei de acreditar na veracidade do período histórico.
Mendonça usa do plano de fundo da Ditadura Militar para criar um ambiente ao mesmo tempo aterrorizante e familiar. A sensação é que há sempre perigo por perto, mas a familiaridade com o ambiente brasileiro dissipa esse sentimento até um ponto de achá-lo quase normal. A tensão em O Agente Secreto é construída com maestria, desde literalmente a primeira cena. O clima tenso é parte essencial de sua premissa, que põe os personagens constantemente em situações assim.
O grande ouro do filme, além de suas atuações, é a sua ambientação. É tudo muito crível, não parece uma história roteirizada, mas sim apenas uma janela ligando nós à vida daquelas pessoas. A Ditadura nunca é evidenciada ou comentada abertamente, mas nós sabemos que está ali, à espreita, como um tubarão pronto para atacar a sua presa.
Ritmo lento e contemplativo, o inimigo do grande público.
Quando pensamos em planos e cenas, é tudo como de costume dos filmes de Mendonça, tudo muito contemplativo, cada coisa com seu tempo de tela sem pressa para conclusão.
O ritmo lento e contemplativo pessoalmente não foi um problema. Foram raras as vezes em que eu achei que uma cena estava estendida de forma a se tornar fútil. O problema é que a impaciência do grande público pode afastar grande parte das pessoas da história, por terem a falsa impressão de que nada de relevante acontece, no caso de uma desconexão com a história.
O roteiro não me agradou de início, mas conforme a narrativa avança, se percebe que ela é contada na medida certa, apresentando os personagens aos poucos e na hora que a história pede, de forma que ficam claras suas motivações e ações com o passar das cenas. Os recursos de flashback e flashfoward também são muito bem usados, sem deixar confuso demais a ponto de você não saber em que tempo a cena se passa, mas também não necessitando de contextualização não natural o tempo todo (como grandes letreiros contando o ano atual da cena, por exemplo).
Além de Wagner Moura, o elenco de apoio não fica para trás. Dou destaque para Tânia Maria, que faz uma carismática Dona Sebastiana. Além dela, Robério Diógenes como Delegado Euclides e a atuação minuciosa, mas extremamente efetiva de Carlos Francisco, como Seu Alexandre, são a cereja no bolo de O Agente Secreto.
Acho que meu grande problema com o filme foi seu núcleo do ‘presente’, que parece em momentos desinteressante e inútil. Esta desconexão minha com esse núcleo quase atrapalhou o final (onde há uma proposital quebra de ritmo), mas de novo ele é completamente carregado pelo subtexto e por Wagner Moura.
E aí, vai dar Oscar?
Quanto à temporada de premiações, não tenho como prever o futuro, mas acho que pelo recebimento de filme nos festivais, a grande campanha para Wagner Moura e a oficialização do longa como representante brasileiro da temporada, me vejo otimista para algumas indicações ao Oscar. O que pode atrapalhar nessa trajetória é a grande identificação do filme com a sociedade brasileira, o que talvez afaste os públicos estrangeiros que não vivem esse dia a dia.
As indicações para melhor filme estrangeiro e melhor ator de Wagner são quase certas, com grandes chances de vitória em ambas, ficando a depender da qualidade (e publicidade) de seus concorrentes. Arriscaria indicações também para melhor filme, melhor montagem, e talvez melhor som, que não seriam absurdas. Veremos como tudo isso se desenrola com a temporada logo aí.
Considerações finais
Em resumo, O Agente Secreto é muito competente em sua proposta. Sua narrativa lenta e as vezes levada ao extremo, pode sim afastar espectadores mais impacientes, mas acredito que Mendonça não o fez visando agradar o grande público. É um thriller tenso e muito alegórico, que usa de uma história fictícia para retratar um período histórico que, como ela, também era tenso e, de certa forma, alegórico. É um prato cheio para os amantes de cinema e história brasileira, que justifica o seu grande recebimento no Brasil e no resto do mundo.
Onde assistir a O Agente Secreto
O filme está disponível em todas as redes de cinema do Brasil.
Sinopse de O Agente Secreto
Em 1977, Marcelo decide fugir de seu passado misterioso se mudando de São Paulo para Recife com a intenção de recomeçar sua vida. Ao chegar na capital pernambucana em plena semana do Carnaval, percebe que atraiu para si todo o caos do qual ele sempre quis fugir. Inesperadamente, a cidade que ele acreditou que o acolheria ficou longe de ser o seu refúgio.
Nota: ★★★★½
Título Original: O Agente Secreto
Ano de Lançamento: 2025 (Brasil)
Diretor: Kleber Mendonça Filho
Elenco: Wagner Moura, Carlos Francisco, Alice Carvalho, Hermila Guedes, Tânia Maria, Roberto Diógenes, Roney Vilela, Gabriel Leone e Maria Fernanda Cândido
Curiosidades sobre O Agente Secreto
- O Agente Secreto marcou o retorno de Wagner Moura para o cinema nacional após 12 anos atuando apenas em produções internacionais. Ele descreveu o papel como um dos mais desafiadores de sua carreira.
- Para ajudar na ambientação, a equipe de filmagem utilizou de equipamentos originais dos anos 70 na filmagem do longa.
- O roteiro de O Agente Secreto foi desenvolvido ao longo de três anos.
- Kleber Mendonça Filho revelou que se inspirou em relatos de exilados e perseguidos da ditadura para a composição de sua obra.








