Marc Dourdin, diretor do documentário ‘Monstros do Ringue‘, que será transmitido no Canal Brasil hoje às 22h00, é um conhecido do Cinema e Pipoca e já havia conversado conosco há quase cinco anos atrás sobre ‘Futebol de Várzea‘, seu primeiro filme.
Mais experiente, ele comenta que “tudo o que vivi e aprendi com esse filme me fez crescer e influenciou a forma com que fiz esse novo documentário”. Mas houveram certas coisas que não se modificaram, como o fato de trabalhar com personagens reais e fazer longas pesquisar para se preparar para a realização do projeto.
‘Monstros do Ringue’, pelas palavras do diretor, é “um documentário maior, com mais material de arquivo, mais complexo, tem mais entrevistas e fala sobre a luta livre brasileira desde a década de 60, ou seja, um período de mais de 50 anos de história. O grande desafio foi escolher um recorte que ficasse legal para retratar esse rico universo”.
A entrevista na íntegra, você confere logo abaixo:
Cinema e Pipoca: Como surgiu a ideia de um documentário sobre telecatch e quanto tempo duraram as pesquisas e a busca por imagens raras de arquivo?
Marc Dourdin: A ideia do filme veio quando comecei a procurar temas para um novo documentário, e logo tive um “estalo”, me veio uma lembrança sobre a luta livre brasileira. Conversei com meu sócio e produtor do filme, Sérgio Kieling, que gostou muito da ideia e logo começamos a correr atrás dos antigos lutadores. Quando criança eu era muito fã dos Gigantes do Ringue, na época, década de 80, transmitido em TV aberta. Eu tinha a lembrança de todos aqueles personagens curiosos, a Múmia, Fantomas, Michel Serdan, Aquiles, Mr. Argentina… A partir daí, fui buscar informações sobre esses personagens na Internet e me deparei com muitas lutas memoráveis no youtube. Fiquei louco. Ao mesmo tempo, ainda pela internet, encontrei outras equipes com aspectos e personagens muito interessantes. Logo me encantei por essa outra geração que teve início nos anos 90, mas que já acompanhava a luta livre há muito tempo. Foi aí que conheci a BWF, do lutador e empresário Bob Jr, e a Trupe do Trovão, do motoqueiro e membro dos Abutres, Trovão. Bob Jr. é filho de um grande lutador contenporâneo do Michel Serdan e do Aquiles, o Bob Léo. Entre pesquisa e roteiro, demorei uns 3 meses, foram muitas conversas com diversos lutadores, muita pesquisa na internet, uma vez que existem poucos livros sobre o tema e muito do material não está nas emissoras. O Michel Serdan, que sempre produziu seu programa de forma independente, tinha algumas caixas com fitas U-MATIC e VHS com o que existia do arquivo dos Gigantes do Ringue, essas fitas estavam mofando… Fizemos um enorme trabalho de recuperação desse material e digitalizamos tudo para podermos assistir e utilizar parte desse material no filme. Esse material todo está no filme. Além disso, o Mr. Argentina, um dos grandes rivais do Aquiles nos ringues, tinha um arquivo enorme e muito organizado, de fotos incríveis que ele tirou ao longo de toda sua carreira, o que enriqueceu muito o filme. Posso dizer que fiquei cerca de 2 anos buscando e liberando o material de arquivo do filme.
CP: Para você, um fã assumido, como foi ter contato direto com grandes lutadores da velha guarda como Michel Serdan e Aquiles, e da nova geração, Trovão e Bob Júnior? Como foi feito este primeiro contato com eles?
MD: Eu busquei os personagens inicialmente pela internet, feito o primeiro contato, marquei um encontro para conhecê-los pessoalmente. Ter contato com os lutadores das antigas (Mr. Argentina, Michel Serdan, Belo, Renato Dias, Homem Montanha, Aquiles, entre tantos outros) me trouxe muitas lembranças da minha infância, foi incrível! Visitá-los em suas casas, ouvir suas histórias, conhecer os bastidores desse universo, foi uma experiência única. Foi um processo até conquistar a confiança de todos, no início não sei se eles entenderam exatamente o que eu estava fazendo. A primeira sessão pública do filme foi muito especial, conseguimos reunir quase todos os personagens e vários lutadores de diversas equipes, foi muito emocionante. É muito legal ver a paixão que o Bob Jr. e o Trovão tem pela luta livre, eles tem uma visão um pouco diferente da coisa, já pensam em novos formatos para a modalidade.
CP: Além de contar sobre o sucesso do telecatch antigamente, você mostra como é o cenário hoje. Acredita que exista a possibilidade de terem a mesma relevância e espaço de antigamente?
MD: Eu acho que as equipes estão se reinventando, e sem dúvida eles ainda tem muitos seguidores graças a internet. Talvez a modalidade preferida pelo público hoje seja o MMA. Acho que o público perdeu um pouco o interesse pelo espetáculo, pelo show cênico que é a luta livre, mas ela está longe de acabar. As pessoas tem muito carinho pela modalidade, e se houvesse mais divulgação, certamente ela conseguiria mais espaço. A Virada Cultural foi incrível, foram muitas horas de luta livre com um público incansável e interessadíssimo no espetáculo. Nos eventos de Anime não foi diferente, o público fica louco com os embates e golpes acrobáticos executados pelos lutadores. Essa nova geração tem um estilo um pouco diferente, mas o bom espetáculo é garantido!
CP: Para você é mais fácil conseguir apoio para seus filmes hoje?
MD: As coisas estão difíceis para o cinema independente, a concorrência aumentou bastante, temos novos editais, mais financiamentos para desenvolvimento de projetos e roteiros, o que é fundamental, mas um grave problema, um gargalo enorme para a distribuição. Poucos filmes chegam a ser distribuídos (perde-se muitos pontos nos editais por conta disso). Muitos são exibidos em festivais, fazem algumas sessões isoladas e acabam sendo vendidos para canais de televisão. É um grande prazer ver o filme na telona, mas ainda temos que formar público, ter mais espaços para exibição dos filmes nacionais, incentivar as pessoas a assistirem nossos filmes e darem mais valor ao que é produzido aqui. Mesmo tendo levado o prêmio de público na 39ª Mostra, não consegui fazer a distribuição que gostaria do filme.
CP: O juri popular elegeu ‘Monstros do Ringue’ como o melhor documentário nacional na 39ª Mostra Internacional de Cinema SP. É um prêmio mais prazeroso do que os outros, por saber que você está agradando não só os críticas, mas o público em geral também?
MD: Sem dúvida ganhar um prêmio de público é uma coisa única. Todo cineasta quer que seu filme seja visto, e ter o reconhecimento dos espectadores em um festival como a Mostra de cinema de SP é muito gratificante. Senti uma energia muito forte durante as sessões do filme na Mostra, percebia que o público estava curtindo o filme, mas mesmo assim fiquei surpreso com o prêmio, estávamos concorrendo com documentários de peso.
CP: Tem outros projetos engatilhados para um futuro próximo? Se sim, poderia nos falar um pouco sobre eles?
MD: Nesse momento estou finalizando um filme que retrata a realidade dos transplantes no Brasil, “Histórias Cruzadas”, é um documentário. Até Abril de 2017 estarei com o filme finalizado, pronto para começar a inscreve-lo em festivais. Neste filme retrato a realidade do universo dos transplantes no Brasil pela ótica de 4 personagens: um médico transplantador que faz um belíssimo trabalho nos estados de SP, AC, e AM, um paciente renal, que busca um doador vivo entre seus familiares, uma paciente Hepática, que vem do Acre para SP em busca de um doador, e uma equipe de captadores de órgãos, uma enfermeira e um Nefrologista, responsáveis pela entrevista familiar e pela manutenção do possível doador até o momento do transplante. O filme está muito rico, e desmistifica um pouco o universo e a realidade de quem necessita de um transplante no Brasil.
Trailer de ‘Monstros do Ringue’
Monstros do Ringue Trailer from Mamute Filmes on Vimeo.