ENTREVISTA COM O AUTOR DE ‘REDE MANCHETE: ACONTECEU, VIROU HISTÓRIA’
Elmo Francfort é radialista, produtor de TV, pesquisador de história das mídas e escritor. Tem como especialização consultoria empresarial televisiva e marketing cultural. Ele escreve sobre comunicação desde a década de 1990. Possui um vasto acervo pessoal sobre a mídia.
Entramos em contato com ele e conseguimos uma bela entrevista que você confere agora:
Cinema e Pipoca: Conte-nos um pouco sobre sua carreira e como surgiu o gosto por contar a história de algumas emissoras nacionais.
Elmo Francfort: Sou de uma família de profissionais da imprensa, de jornalistas e radialistas. Desde cedo me acostumei com esse meio e acabei gostando, mas sentia uma enorme dificuldade de encontrar fontes referentes à história da imprensa, principalmente sobre televisão. Foi assim, que junto de meu irmão começamos um site chamado Telecentro, em meados dos anos 90, e dali para cá, aos poucos, acabei me aprofundando na pesquisa da memória da TV. Telecentro (e depois o Canal 1 também) foram pioneiros, sendo os primeiros a falar sobre história das emissoras, com conteúdos inéditos (surgiram antes mesmo das comemorações pelos 50 Anos da TV no Brasil, em 2000). A partir deles até as emissoras passaram a criar sites históricos. Passei também pelo Sampa On Line, por onde fiz por muito tempo uma coluna semanal sobre a história da comunicação. Tornei-me profissional do meio televisivo. Ingressei na Pró-TV em 2001 e nesses 13 anos passei pela diretoria, ficando também responsável pelo acervo da Associação dos Pioneiros, Profissionais e Incentivadores da Televisão Brasileira e do Museu da Televisão. Hoje coordeno a Cidade da TV, em São Bernardo do Campo, e a divisão de Novos Projetos da associação, sendo curador de exposições como “60 Anos de TV no Brasil”, “Marcos da Televisão Brasileira” e, junto da Rede Globo, das exposições “60 Anos da Telenovela Brasileira”, que viajou todo Brasil, e a internacional, “A História da Telenovela Brasileira: Viagem ao Mundo da Ficção”, hoje presente em Portugal – que visa levar ao mundo a memória de nossa grande paixão nacional: a telenovela. Foi desse trabalho, muitas vezes árduo e boa parte das vezes de pouco reconhecimento, que surgiu a oportunidade de contar a história das emissoras. É uma batalha que travo, felizmente ao lado de pessoas como a pioneira Vida Alves, que vive literalmente para cuidar da memória do rádio e da TV no país, lutando diariamente pela Pró-TV e pela criação de um Museu da TV Brasileira de verdade, com uma grande sede própria. Foi lá na Pró-TV que conheci o hoje amigo Rubens Ewald Filho, então coordenador da Coleção Aplauso, da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. Por lá escrevi os livros “Rede Manchete: Aconteceu, Virou História” e “Av. Paulista, 900: A História da TV Gazeta”, além de ter pesquisado para as obras “TV Tupi: Uma Linda História de Amor” e “Gloria in Excelsior: Ascensão e Queda do Maior Sucesso da Televisão Brasileira”, além de vários perfis. Novidades vem por aí, por outras editoras, inclusive, e ainda nesse ano. Terá também a Coleção Pró-TV, da própria associação, que trará novidades na área literária voltada à memória das comunicações, principalmente sobre rádio e televisão brasileiros.
CP: Como surgiu a idéia de escrever o livro ‘Rede Manchete – Aconteceu Virou História’ e quanto tempo durou todo o processo até a finalização do projeto?
EF: O projeto nasceu em 2004. O Rubens Ewald tinha dito que preferia primeiro priorizar as emissoras extintas nos livros quando me convidou para fazer um livro. Pediu que eu pensasse. Pensei muito e queria algo que eu conhecesse os bastidores, que tivesse tido algum contato. Foi assim que pensei: Excelsior já tinha livro, Tupi ia sair… Manchete! Ela mesma! Local que conheci desde cedo, já que irmãos e meu tio trabalharam por lá. Conheci os bastidores e era também seu telespectador. Foi triste quando a Manchete fechou. Com pesquisa, revisão, mais de 100 entrevistas com ex-funcionários, tive um trabalho de quatro anos. Valeu a pena. Revi muitos amigos, fiz vários outros, por todo país. A TV Manchete era uma verdadeira família, que hoje se separou, mas que ainda tem muitos que nutrem o mesmo sentimento de amizade que tinham. Era um lugar que brigava pela qualidade e pela excelência. Era verdadeiramente uma emissora profissional, de primeira classe.
CP: Quanto temos de Rede Manchete, hoje, na Rede TV!?
EF: São duas redes distintas. O que mais temos hoje da Manchete na RedeTV! são seus cinco canais principais (Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Fortaleza e Brasília) e poucas afiliadas que continuaram retransmitindo a rede. Muitas emissoras que eram da Rede Manchete dividiram-se, principalmente, nas redes em expansão Band e Record.
EF: Com certeza. O Fernando Borges e seu grupo fez um belo trabalho. Era uma ideia que eu tinha desde a época da produção do livro, mas não tive tempo hábil para dar continuidade, isso porque passei a me empenhar cada vez mais em focar na luta pela preservação da história de todas as emissoras. Precisamos registrá-la, seja em livro, vídeo, áudio, no formato que for. Existe uma riqueza maior do que a memória audiovisual (refiro-me ao arquivo das TVs). Essa riqueza é a memória oral, expressa na lembrança de cada um de seus profissionais e telespectadores. São detalhes riquíssimos que mostram a importância sócio-cultural da televisão na vida dos telespectadores. Sinto que o documentário da Manchete cumpriu seu papel. Dei palestras ao lado do Fernando Borges e incentivo a continuação de projetos como esse. Já fiz parte também de documentários e dissertações que me entrevistaram e pediram ajuda, sobre a TV Excelsior e TV Tupi. Há muitas iniciativas surgindo e elas tem que ser valorizadas.
CP: O que temos hoje em dia da extinta Rede Manchete que ainda sobrevive ao tempo – contando tanto o acervo dos programas, quanto objetos como câmeras da época e etc.?
EF: De equipamentos pouca coisa restou e foi preservada. Muito do acervo foi leilado, inclusive as produções audiovisuais. Hoje em dia há fitas com o Jaquito (Pedro Jack Kapeller, último presidente da Manchete), na Bloch Som & Imagem, que comercializou para o SBT “Xica da Silva”, para Band “Mandacaru” e “Tocaia Grande” (ainda não exibida), há com o SBT (após a produtora JPO comprar em leilão as produções de 1992 para trás e revendar para Silvio Santos) produções como “Pantanal”, “Dona Beija”, “A História de Ana Raio e Zé Trovão” e outras; há na TV Cultura um amplo acervo jornalístico e esportivo da Manchete, que foi doado para emissora e que hoje, junto da Cinemateca e do Ministério da Cultura, estudam sua digitalização e possível exibição, dentro de um grande imbróglio que envolve a parte de diretos autorais e conexos do conteúdo das fitas. Na Pró-TV também há algum acervo relacionado à parte física da Manchete e materiais que servem de pesquisa, como fotos, imagens, textos, etc.
CP: Hoje em dia, a TV Pampa tem os direitos de utilização do nome Rede Manchete. Acredita que um dia ela pode voltar a ativa?
EF: Ela pode voltar com a marca Rede Manchete, mas não acredito que voltará a mesma emissora. Reutilizar uma marca, seja Tupi, Excelsior, Manchete ou o que for, pode trazer a memória afetiva das pessoas, mas isso não quer dizer a mesma estrutura, os mesmos objetivos e a mesma força de mídia que possuía. Eu torço para que alguém, seja com a marca Manchete ou não, possa trazer a filosofia que existia lá. De primar pela qualidade, de profissionalismo, de todo mundo dando o melhor de si para fazer uma televisão de primeira.
CP: Acredita que se a Rede Manchete estivesse no ar hoje em dia, com Adolpho Bloch no comando, ela poderia ser tão grande e influente quanto a Rede Globo?
EF: Hoje a história seria outra. O panorama da televisão mudou. Hoje temos uma TV a cabo também maior e mais forte e temos novas disputas na TV aberta. É uma incógnita dizer isso, pensando que o processo de crescimento da Record (gestão Edir Macedo) estava apenas começando quando a Manchete fechou. Estamos numa época de pluralidade na televisão e a própria Globo tem se adaptado a isso. Hoje temos um “vilão” (que ao mesmo tempo é um fator incentivador) que é a internet. Ela agrega conteúdo à televisão, criou-se até a segunda tela, mas ao mesmo tempo, tira muita gente que assistia e que hoje migrou para o computador. Hoje temos emissoras on line, temos TVs corporativas, temos TV no ônibus, no metrô, na sala. Acredito que ainda assim, se a Manchete estivesse aí, principalmente com Seu Adolpho (que já teria passado dos 100 anos!) ou com seguidores natos, a emissora seria uma opção qualitativa e, com certeza, brigando pela competitividade com Globo, SBT e Record.
CP: Qual a maior influência que a Rede Manchete deixou para a televisão brasileira?
EF: Como já disse: fazer uma televisão de qualidade e não fazer apenas o “arroz com feijão”, mas procurar alternativas, fazer diferente e ser uma nova opção. A Manchete fez “Pantanal” quando ninguém queria gravar tão longe dos estúdios, fez “Ana Raio” itinerante quando nenhuma emissora do mundo havia feito, apostou nos heróis japoneses quando no Brasil não era uma tradição. Precisa dizer mais alguma coisa? Assim era a Manchete.
EF: Sim! Aguardem novidades. 2014 só está começando. Vou guardar as surpresas, sendo que algumas já estão bem adiantadas.
CP:Um desejo meu, era que você fizesse um livro sobre a TV Cultura, pois ela também merece ter sua história recontada.
EF: Com certeza! :)
Eu que agradeço pelas perguntas e pelo carinho. Espero ter ajudado!
Abraços
Publicar comentário
Você precisa fazer o login para publicar um comentário.