‘Colostro’ é um curta metragem que foi escolhido para o FESTICINI – 1° Festival Internacional de Cinema Independente. Na sinopse, colostro é a primeira secreção da mama após o parto. Rita adota uma bebê e tenta produzir esse leite em seus seios. Mas o líquido que sai é vermelho. Conversamos com a diretora Fernanda Chicolet sobre este e outros temas. Confira!
Cinema e Pipoca: Conte-nos um pouco sobre o processo de criação de ‘Colostro’.
Fernanda Chicolet: O filme nasceu de uma vontade de falar sobre a maternidade, ou sobre uma maternidade interrompida, imperfeita, diferente de como muitas vezes a maternidade é propagandeada. Mas não queríamos mostrar isso numa chave realista ou psicologizante, que tentasse apresentar uma resposta, seja subjetiva, seja social. Então enveredamos para um curta com elementos de gênero. Quando uma questão psicológica quer aparecer procuramos uma solução cinematográfica, nesse caso na chave do terror, propondo uma materialidade imagética para as questões subjetivas das personagens. Com essa premissa, fomos desenvolvendo o roteiro e pensando nos recursos de direção que nos interessava.
CP: Mesmo estando num centro tão grande quanto São Paulo, ainda sente dificuldades de tirar este tipo de projeto do papel? Por que?
FC: Claro que estar em um centro produtor como São Paulo traz facilidades, mas tem muitos desafios também. Se por um lado tem mais linhas públicas de financiamento, como as estaduais e municipais, por outro, a quantidade de produtoras e realizadores qualificados também é expressiva, o que faz com que o acesso a esses recursos se torne muito competitivo. Isso tem muitos desdobramentos. São Paulo traz ainda um outro dificultador. Por ter uma industria consolidada de produção para a publicidade, os custos para a produção cinematográfica acabam inflacionados. Mais uma vez é uma situação ambivalente. Porque isso faz com que você tenha uma equipe muito profissional e qualificada e uma multiplicidade de fornecedores de equipamento, transporte, catering etc. Mas tudo isso tem a publicidade como padrão de custo, o que é totalmente inviável para o cinema, ainda mais para um curta. Isso nos causa até um certo constrangimento, porque colegas de outros estados quando conseguem um recurso como o Colostro obteve (100 mil pelo Fomento da Prefeitura de SP) chegam a realizar um longa (e às vezes até mais!) enquanto nós produzimos um curta e ainda saímos endividados.
CP: Vocês sempre trabalham em conjunto? Acredita que esta parceria facilita na hora das decisões?
FC: Nós nos combinamos de forma variada em cada filme. Temos um caminho criativo que está sendo construído junto. Mas nada impede que outros projetos sejam desenvolvidos com outras configurações criativas. Claro que criar junto, compartilhando a infinidade de decisões que precisam ser tomadas ao longa da história do filme, é um desafio. Mas desenvolvemos uma espécie de intimidade criativa, aonde reconhecemos áreas e momentos em que cada um tem mais força. É um ajuste fino que requer muita escuta e generosidade, e que tem funcionado muitíssimo bem. Às vezes a criação pode ser muito solitária e angustiante, é muito bom ter uma parceria em que você possa se apoiar, emprestar energia. Além, lógico, da troca de ideias mesmo, que é um processo sempre muito prazeroso.
CP: Como é ter a função de diretora e protagonista, como é o caso da Fernanda no curta?
FC: Como disse, compartilhamos a criação com respeito também aos momentos de cada um. Participo de forma muito próxima do Cainan na pré e na pós, mas no set foco no meu papel de atriz e deixo a direção com ele. Depois da diária conversamos sobre como foi, coisas que precisam ser ajustadas, ideias para o próximo dia. Mas no set a atuação ganha atenção exclusiva para mim.
CP: O que é cinema independente para vocês?
FC: Nossa, são tantas definições possíveis. Independente, pode ser aquele que produz com recursos de editais, de processo seletivo, que ganha pelo mérito da obra, do roteiro e não pelas suas qualidades comerciais. E claro, é também aquele que produz independentemente de tudo isso, e são muitos. Mas são ideias soltas de definição, a independência é uma situação muito própria do cinema e deve ser constantemente revista de acordo com o contexto histórico, político e econômico de cada época.
CP: Como surgiu a ideia do roteiro e em quanto tempo ele foi escrito?
FC: Surgiu de um acumulado de histórias de mães com alguma dificuldade com a maternidade nesses estágios iniciais e que tomaram alguma atitude radical quanto a isso. Ele foi escrito em 6 meses, acredito. Mas depois, para o edital que ele ganhou, teve um outro período de reescrita.
CP: Tem novos projetos para um futuro próximo? Se sim, poderia nos falar a respeito?
FC: Tem o meu primeiro roteiro de longa, chama-se Entre a Sola e Salto tem o Vão. Ele está construindo uma trajetória em laboratórios de roteiro nesse momento. Amadurecendo com a ajuda de consultores incríveis. Já passou pelo Laboratório do Olhar de Cinema e agora está no Lab Novas Histórias do SESC. Em 2015 vamos filmar nosso quarto curta, Demônia – Melodrama em 3 Atos. É um filme que continua a nossa pesquisa com os gêneros cinematográficos, sendo que agora a ideia gira em torno de que modo o melodrama se adapta aos formatos audiovisuais recentes.
Crédito da foto: André Luiz de Luiz