‘Cobaias‘, filme dirigido por Iberê Pereira, é um suspense com pitadas de ficção científica que está sendo gravado na Região Metropolitana de Campinas, com gravações até julho deste ano. No bate papo a seguir, Iberê comentou sobre o cinema de gênero no país: “No Brasil, ainda falta essa pegada do suspense. O filme é uma mistura de ficção científica e suspense. Duas vertentes bem raras no Brasil.”
E ainda falou sobre a dificuldade de tirar as ideias do papel por conta do pouco incentivo aos trabalhos independentes, pois “tem uma busca incessante por alimentação, auxílio de transporte, hospedagem, elementos de cena, efeitos, figurinos… Sem contar com agenda das pessoas, feriados e outros trabalhos.”.
Abaixo a entrevista na íntegra:
Cinema e Pipoca: Conte-nos um pouco sobre sua carreira até chegar em ‘Cobaias’.
Iberê Pereira: Sou formado em Publicidade e Propaganda, desde 2011. Na Universidade, fiz alguns curtas, mas nada publicado. Sempre estive envolvido com o mundo do teatro. Fiz parte de várias cias, porém, como ator. Sempre tive várias histórias na cabeça e gostaria de contá-las. Escrevi duas peças, mas ainda assim, não me senti satisfeito. Decidi escrever um filme. Queria escrever um curta, mas as idéias foram crescendo, crescendo e chegaram a um média metragem de 30 minutos, chamado “O Acampamento”. Chamei um amigo para dirigir e ouvi dele: “Você sabe tudo desse filme e já estudou muito sobre direção. Por que você não tenta?”. Tentei. Foi um grande laboratório. A partir deste média, comecei a investir tempo em escrever. Fiz diversos cursos de roteiro, direção, montagem, produção… Já escrevi 7 roteiros para longas e mais uma vez, juntei-me a amigos e decidimos fazer. Tivemos algumas mudanças daqui e dali e agora estamos um um corpo artístico e técnico de grande qualidade!
CP: Como surgiu a ideia de criar o roteiro para o filme? Na página do facebook você diz que é “Um Longa Metragem inspirado na Epigenética”, o que significa este termo?
IP: Sempre que surge uma ideia, eu começo a escrever sobre ela. Esse foi o quinto (de 7 até então) roteiro que escrevo para longas metragens. Eu comecei a pensar em irmãos gêmeos e como podem ser tão diferentes, mesmo sendo univitelinos e compartilhando o mesmo DNA. Desenvolvi uma história, perguntei para três biólogos diferentes e adaptei para não falar coisas absurdas. Após ter escrito o roteiro, ganhei um livro chamado “Epigenética”, de Richard C. Francis. Fiquei espantado ao descobrir que toda a teoria que surgiu da minha imaginação existe mesmo e é um estudo muito grande e pouco difundido. A Epigenética é o estudo que refuta s teoria de que os Genes são os únicos responsáveis pelas características biológicas, de caráter e psicológicas dos seres humanos. O ambiente externo é capaz de alterar os genes sem alterar os códigos genéticos, modificando as características originais de cada pessoa.
CP: Li a sinopse e senti que, sem perder a originalidade, você presta uma homenagem ao cinema de horror dos anos 70 e 80, estou correto? Se sim, quais foram as principais influências?
IP: Para te dizer a verdade, eu não sou dos mais aficionados no gênero Terror. Sou muito fã de suspense, principalmente aqueles que evidenciam aonde a mente humana pode chegar. Como influências, sou apaixonado por Kubrick e seus trabalhos, como “A Clockwork Orange” e ” The Shining”, mas sem perder as décadas de 70 e 80, que foram fantásticas para o cinema mundial. Apesar de ser um grande fã do José Mojica Marins e ser muito grato a tudo o que ele fez ao cinema nacional, o gênero Terror não me apetece. No Brasil, ainda falta essa pegada do suspense. É um tipo de história que contagia e que nos faz querer ficar até o último segundo no cinema. Juntando a isso, a ficção científica, com a pegada da fórmula e tudo aquilo que ela pode fazer nos neurônios e DNA das pessoas.
CP: O processo de escolha e preparação dos atores duraram quanto tempo e foi um processo difícl?IP: Eu diria que o processo de escolha foi mais difícil que o processo de preparação. Dificilmente grandes atores topam fazer um trabalho sem receber por ele. Não os julgo, muito pelo contrário, eu até concordo com eles, afinal, eles tem suas contas a pagar. A dificuldade então foi encontrar atores bons, em perfis variados e que estivessem dispostos a darem o seu trabalho sem receber por ele e o pior: As vezes deixar de fazer algum trabalho em que receberiam, para filmarem conosco. Quando o elenco foi selecionado, fizemos uns pequenos momentos de preparação. Fora esses três dias, apenas grupos de whatsapp, onde os atores conversam entre si como se fossem os personagens e alguns exercícios, tipo vídeos que os atores usaram os seus próprios celulares para se filmarem e me mandarem seus entendimentos quanto aos personagens. Nossos atores são desconhecidos da grande mídia, mas são excelentes. Se entregaram de uma forma espetacular e construíram os personagens exatamente da forma que eu imaginei.
CP: Acredita que o terror/suspense poderia ser mais explorado pelos diretores e produtores nacionais? Por que isso não ocorre?
IP: O terror já foi muito explorado, com o Zé do Caixão e cia. Mas hoje em dia, caiu muito. Suspense está crescendo agora, mas ainda assim, não tem a mesma visibilidade que as comédias da Globo, por exemplo. Ficção Científica é o mais raro dos três. Eu creio que não são segmentos muito explorados por não terem o apelo financeiro que uma comédia global tem, ou o apelo de festivais, como o drama tem. Temos muitas pessoas com idéias ótimas no Brasil. Muitas!!! O problema é: tirá-las do papel.
CP: Como é fazer cinema independente no Brasil?
IP: Muito, mas MUITO difícil. Impossível fazer em 30, 40 dias seguidos. Tem uma busca incessante por alimentação, auxílio de transporte, hospedagem, elementos de cena, efeitos, figurinos. Sem contar com agenda das pessoas, feriados e outros trabalhos. todas as diárias são gravadas nos finais de semana, para que os atores e técnicos possam trabalhar em outras coisas durante a semana. Para se ter uma ideia, as filmagens iniciaram dia 20/01 e estão previstas para terminarem dia 01/07. Se tudo ocorrer bem.
CP: Onde estão sendo feitas as locações de ‘Cobaias’ e como foi o processo de escolha desses locais?
IP: O filme possui poucas locações. Uma casa anos 90, uma sala de aula de faculdade, um laboratório e um sítio. No sítio, são filmados 80% do filme. Passamos meses buscando essas locações, pois precisariam ser de graça (não temos verba), precisa ter a cara dos anos 90 (o filme é ambientado em 97) e precisa ter uma grande beleza. Conseguimos através de indicações, amigos, ajudas e pessoas da equipe, que conhecem uma pessoa que conhece outra… e por aí vai. Eu participei de cada escolha de locações. Fui até os proprietários, fiz os pedidos, conversei, expliquei como seriam os locais… Acho muito importante a minha participação em todo o processo.
CP: Uma campanha no Catarse é melhor do que tentar financiamento por um edital?
IP: Edital é muito melhor, sem dúvidas, mas para quem conseguir ser contemplado. É raro conseguir verbas em editais para quem é iniciante no assunto. Eu, diretor iniciante, a produtora iniciante, produtores associados iniciantes e atores iniciantes. Tudo isso praticamente impossibilita a contemplação. O detalhe é: Todos somos iniciantes, mas toda a equipe tem uma qualidade fantástica! Sobre o Catarse, estamos com grandes dificuldades em conseguir apoio por lá. É mais fácil conseguir pelo bom e velho “de porta em porta”. desse jeito estamos conseguindo apoios pelo menos para a alimentação.
CP: Tem novos projetos para o futuro? Poderia comentar um pouco sobre eles?
IP: Sempre temos! Através desse filme, conheci um número enorme de pessoas fantásticas que quero tê-las para sempre trabalhando comigo. Ao concluí-lo, iremos fazer o nosso processo dos mais variados registros nos órgãos competentes do Brasil. Após seus registros, vamos inscrever no maior número possível de festivais, para que tenha visibilidade nas distribuidoras. Sonhamos em ver nosso filme no circuito comercial de cinema e vamos conseguir! Após isso, vamos iniciar um processo de pré-captação para um novo filme, o Cobaias 2. O roteiro do primeiro é de minha autoria e o segundo já está quentinho, quase saindo do forno. A diferença é: o C2 o faremos com verbas. A dificuldade de fazer um trabalho sem pagamentos, é muito grande. Se temos um cronograma e, por exemplo, algum ator disser que não poderá filmar na próxima semana, pois terá um trabalho remunerado, temos que alterar o cronograma e todo o trabalho é adiado. O salário para todos é digno e necessário. Mas, apesar de todas as dificuldades, fazer cinema é a nossa grande paixão! Nunca deixarei de fazer!