Críticas

Sorry Baby | Resenha | Vale a pena assistir?

Sorry Baby é um daqueles filmes que não apenas contam uma história, mas escancaram uma ferida social ainda longe de cicatrizar. Dirigido e estrelado por Eva Victor — conhecida por sua participação em Billions — o longa, produzido pela A24, chega aos cinemas hoje (11), carregando um peso temático profundo: a violência sexual contra mulheres e a forma como a sociedade insiste em reagir com apatia, desconforto ou negação diante das vítimas.

É um drama que coloca o espectador dentro de um espaço emocional claustrofóbico, conduzido por performances sensíveis e uma estética que traduz a dor sem recorrer à exploração visual.

No centro da narrativa está Agnes, interpretada por Eva Victor, uma estudante de literatura e inglês em seu último ano universitário. Sua vida sofre uma ruptura definitiva quando ela é violentada pelo orientador acadêmico. A universidade, que deveria ser espaço de acolhimento, vira as costas para Agnes de maneira quase didática: o agressor é descrito apenas como “ex-orientador” e afastado discretamente, enquanto a vítima, como tantas outras na vida real, carrega o fardo do julgamento silencioso. Sorry Baby não perde a oportunidade de evidenciar esse mecanismo perverso, no qual a vítima é tratada como se fosse ela quem ameaçasse a estabilidade institucional.

Sorry Baby e a estruturação em 5 atos

O filme se estrutura em cinco atos, uma divisão que não seria tão necessária, pois o filme seguiria sem problemas se não houvesse esse subterfúgio. Os pouco mais de 90 minutos acompanham o que se poderia chamar de “sobrevivência cotidiana”: comer, dormir, tentar estudar, encarar amigos, suportar o silêncio e, sobretudo, conviver com a sensação de que o corpo e a memória já não são territórios seguros. A narrativa expõe a melancolia e a lentidão como componentes reais do trauma. Em Sorry Baby, a cura não é um arco, mas um labirinto.

Entre os poucos apoios que Agnes encontra está a personagem interpretada por Naomi Ackie (Pisque Duas Vezes). Diferentemente dos demais ao redor, ela não contorna o assunto, não demonstra desconforto e não transfere responsabilidade. É, talvez, a única figura que tenta compreendê-la de verdade, funcionando como contraste necessário: uma lembrança de que ainda existem vínculos possíveis, ainda que frágeis.

O peso da iluminação para contar a história

A fotografia merece destaque particular. Grande parte das cenas dentro da casa de Agnes é marcada por sombras, ambientes abafados e luzes que parecem sempre se esconder. Essa opção estética não é mero artifício visual; ela funciona como extensão direta do estado emocional da protagonista. A escuridão não está ali para assustar, mas para mostrar como o mundo ao redor contrai quando a pessoa está emocionalmente estilhaçada. Mesmo os momentos que sugerem alguma positividade carregam um ar de estranheza, quase como se o próprio filme questionasse se é possível existir normalidade depois do que ocorreu.

A A24, já conhecida por produções que conversam com temas difíceis sem apelar ao sensacionalismo, acerta novamente. O ato sexual em si não aparece; não precisa aparecer. Uma porta fechada e a visão distante da casa já bastam para instaurar o terror. Essa escolha ética — e estética — amplia o impacto, que não está na imagem, mas no que ela representa.

O filme também olha para o futuro, e esse talvez seja o ponto mais perturbador. Em uma das cenas finais, Agnes segura um bebê no colo e diz que, quando a menina crescer, poderá falar com ela sem medo — porque não existe história capaz de assustar alguém que já enfrentou seus próprios abismos. É uma fala poderosa, que resgata o título Sorry Baby e sugere uma tentativa de romper o ciclo, mas também carrega uma melancolia profunda.

A protagonista sabe que o mundo ainda é perigoso. O espectador sabe disso também. A pergunta que fica é se as próximas gerações conseguirão enfrentar — e transformar — essa realidade.

Tensão entre vida e morte em Sorry Baby

Há no filme uma tensão constante entre vida e morte, esperança e resignação. Não apenas pela natureza traumática do tema, mas porque Agnes, ao longo da trama, parece flutuar entre a vontade de continuar e a incapacidade de seguir. Os gestos pequenos, as pausas prolongadas, os silêncios quase insuportáveis: tudo indica que ela vive em um limite emocional tão fino quanto invisível. Sorry Baby exige que o público permaneça nesse espaço desconfortável com ela.

No fim, o longa não oferece respostas fáceis, nem alívios artificiais. Ele se posiciona como reflexão necessária sobre a violência estrutural, o machismo institucional e a fragilidade das redes de apoio. É um filme pesado, sim, mas profundamente necessário. Se for ouvido com atenção, talvez o filme consiga plantar nos espectadores a urgência de um futuro que não normalize mais o silêncio, a culpa e a solidão das vítimas.

Sorry Baby
Sorry Baby

Onde assistir Sorry Baby?

O filme estreia hoje (11) nos cinemas de todo país

Sinopse de Sorry Baby

Depois de um evento trágico, Agnes se vê sozinha enquanto todos continuam suas vidas como se nada tivesse acontecido. 

Nota: ★★★★

Título Original: Sorry, Baby
Ano Lançamento: 2025 (Brasil)
Dir.: Glória Pires
Elenco: Gloria Pires, Thiago Martins, Isabel Fillardis, Danilo Mesquita, Eri Johnson, Rosamaria Murtinho, Dan Ferreira, Déa Lúcia

Curiosidades sobre Sorry Baby

  • Barry Jenkins começou a seguir Eva Victor pelo Instagram. Após ela segui-lo de volta, enviou uma mensagem dizendo que ela poderia enviar roteiros para sua produtora, a Pastel, caso algum dia escrevesse algo.
  • Ele afirmou que o trabalho cômico que ela fazia nas redes sociais já era, de certa forma, direção — algo que Victor não havia percebido até então.
  • Durante todas as tomadas em que Agnes dirige, a diretora de fotografia Mia Cioffi Henry estava escondida no porta-malas do carro para captar os enquadramentos necessários.
  • A diretora fez sombra (shadowing) na produção de Eu Vi o Brilho da TV (2024) para aprender mais sobre direção cinematográfica.
  • Sorry Baby marca a estreia de Eva Victor como diretora de longas metragens.
  • O filme estreou oficialmente na Rússia em 24 de julho, mas sua exibição foi encerrada em 2 de agosto após o Ministério da Cultura do país revogar o certificado de distribuição — sem justificativa oficial.
  • Essa decisão ocorreu logo após a aprovação de uma lei que impede a distribuição de filmes considerados contrários aos “valores espirituais e morais tradicionais”, tema com o qual o filme supostamente conflita.
  • Como a edição do filme ocorreu perto do estúdio onde Mufasa: O Rei Leão (2024) estava sendo finalizado, Barry Jenkins pôde estar presente durante grande parte do processo.
  • Além do porta-malas usado na cena do carro, a equipe trabalhou com diversos enquadramentos intimistas para reforçar a carga emocional da narrativa.

Eder Pessoa

Primeiro vingador do Cinema e Séries (antigo Cinema e Pipoca) e do Pipocast, sou formado em Jornalismo e também em Locução. Aprendi a ser ‘nerdzinho’ bem moleque, quando não perdia um episódio de Cavaleiros do Zodíaco na TV Manchete ou os clássicos oitentistas na Sessão da Tarde. Além disso, moldei meu caráter não só com os ensinamentos dos pais, mas também com os astros e estrelas da Sétima Arte que me fizeram sonhar, imaginar e crescer. Também sou Redator Freelancer.

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