De Volta Para o Futuro (85) / Rebobina 000

Não tenho ideia de quantas vezes assisti De Volta Para o Futuro, mas lembro perfeitamente da primeira vez: 11 de dezembro de 1989, há exatos 36 anos, quando o filme estreou na TV aberta. Foi um dos grandes destaques daquele ano na Tela Quente, pouco menos de um mês antes da estreia de sua continuação nos cinemas brasileiros, em 5 de janeiro de 1990 – que jogada de marketing.

Fiquei absolutamente encantado com cada cena. Ainda assim, assisti ao projeto tardiamente, pois muitos brasileiros já haviam lotado as salas de cinema no Natal de 1985, data em que ele chegou ao país — meses após a estreia norte-americana. E assim, passaram-se 40 anos!

Sinopse de De Volta para o Futuro

Acredito que quase todo mundo conheça a sinopse, certo? Mas talvez isso não seja verdade dentro de, sei lá, 40 anos. Então, aqui vai um resumo: Marty McFly é um jovem que acaba indo parar 3 décadas no passado após se envolver com um cientista “maluco”. Chegando lá, precisa encontrar uma maneira de retornar ao presente sem comprometer a própria existência — já que, nessa viagem ao passado, acaba interagindo mais do que deveria com seus futuros pais.

De Volta para o Futuro

Camadas para De Volta Para o Futuro se tornar um clássico

O que transformou essa premissa aparentemente boba e inofensiva em um dos maiores sucessos da história da sétima arte? De Volta Para o Futuro tem um cuidado com o roteiro raramente visto. Cada cena transpira seu próprio universo. Logo nos créditos iniciais, no meio dos vários relógios do Doc Brown marcando o mesmo horário, um deles mostra um velho pendurado num ponteiro. À primeira vista, parece apenas uma referência a O Homem Mosca (1923), mas, ao revisitarmos o filme, percebemos que também é uma referência ao futuro de quem assiste e ao passado do personagem. E essa brincadeira com o tempo dentro deste universo acontece a todo instante.

Numa segunda camada, surge a pergunta: por que diabos o Doc teria um relógio daquele tipo em casa se ainda não viveu as cenas que veremos mais adiante? O filme deixa essa ideia de looping temporal subentendida aqui, mas entrega a ideia mais na frente — e uma das pistas aparece quando, ao se despedir dos futuros pais no baile, a mãe (Lea Thompson) comenta que “Marty” é um nome bonito. Ele planta a ideia do próprio nome nela, assim como, ao tocar Johnny B. Goode, faz Marvin Berry ligar para o primo Chuck e apresentar a música que ele só lançaria três anos depois. Marty não apenas mudou o passado: ele levou o presente para dentro dele.

É claro que apenas um roteiro meticuloso como esse não garantiria, por si só, o sucesso e a longevidade no imaginário coletivo. O cuidado de produção tem um nível de refinamento que sempre existiu no cinema, mas raramente em um filme pensado para toda a família. Como produtor, Steven Spielberg acaba realizando aqui talvez sua obra mais universal. E é justamente essa linguagem — cuidadosa, acessível e engenhosa — que impede a obra de envelhecer.

Além disso, De Volta Para o Futuro trouxe duas grandes novidades para o universo cinematográfico. A primeira é a enxurrada de referências pop. Um exemplo perfeito é a cena em que Marty McFly — um adolescente descolado que anda de skate — finge ser um extraterrestre chamado Darth Vader, do planeta Vulcano, ao som de um riff de guitarra de Eddie Van Halen. E essa é apenas uma das muitas referências espalhadas por aqui.

A segunda novidade é a enorme quantidade de merchandising integrado ao roteiro, usado para construir a ambientação — Texaco, Pepsi, Burger King, JVC, Toyota, entre outras marcas. Isso não era comum na época e se tornaria tendência nos anos seguintes.

Não podemos esquecer que ele dirige um DeLorean e é amigo de um cientista excêntrico: além dos jovens, outras duas gerações masculinas agradecem. E, claro, o ato que decide a vida do nosso herói é um beijo romântico no baile da escola – afinal é o poder do amor que garante a existência do futuro, certo? É o tipo de cena que faz qualquer mulher se derreter só de imaginar.

No fim das contas, toda a família de classe média encontrava algum reflexo de si ali.

O diretor Robert Zemeckis, que também coescreveu o roteiro ao lado de Bob Gale, teve a preocupação de tornar nossa experiência totalmente imersiva. Quando o filme termina, queremos conhecer Hill Valley: seja nos anos 1950, com sua lanchonete servindo milk-shake ao som de uma jukebox, seja nos anos 1980, com academias de ginástica e a juventude circulando de skate.

Por outro lado, ainda hoje me traz um certo amargor ver que aqueles cinemas que exibiam clássicos nos anos 50 aparecem, na Hill Valley dos anos 80, com programação adulta ou transformados em igrejas. Isso revela uma realidade dos EUA daquele período: as salas de rua estavam perdendo público enquanto os cinemas migravam para dentro dos shoppings — algo que, no Brasil, se tornaria ainda mais evidente nos anos 90, dependendo da cidade onde você mora.

Eu poderia escrever parágrafos e mais parágrafos sobre o os inúmeros easter eggs espalhados ao longo do filme — ou você não percebeu que o Shopping Dois Pinheiros foi rebatizado como Pinheiro Solitário depois que Marty atropela um deles ao visitar o mesmo local em 1955? Entretanto, há vários blogs e vídeos no YouTube que exploram esses detalhes com profundidade. Vale a busca: procure e se encante.

A maior bilheteria de 1985

De Volta Para o Futuro foi a maior bilheteria de 1985. Também está entre os 30 filmes mais bem ranqueados do IMDb. Ele também está no top 30 com o maior número de avaliações. No ranking de popularidade atual, é o melhor posicionado entre os filmes lançados até 1985. Tudo isso pode indicar que De Volta Para o Futuro seja, de fato, um dos grandes títulos verdadeiramente atemporais do século passado. Um filme que fala sobre exatamente sobre o tempo. Não é genial?

Nem mesmo Einstein — e aqui me refiro ao cientista, não ao cachorro do Dr. Brown, que no filme se torna o primeiro viajante do tempo — acreditava que fosse possível voltar ao passado. Ele estudou a relatividade especial e mostrou que, teoricamente, podemos viajar ao futuro ao nos aproximarmos da velocidade da luz. Mas, no fim das contas, o que seria o cinema senão a nossa própria viagem ao passado?

Ao revisitar este longa metragem mágico e tantos outros, acabamos lembrando de outras épocas da nossa própria vida — das pessoas que compartilharam aqueles momentos conosco e até de versões antigas de nós mesmos. Aquele adolescente que um dia se encantou com cada cena hoje é um homem de quase cinquenta anos que continua fascinado pelo universo criado pelos realizadores de De Volta Para o Futuro. E, a cada nova revisita, ele vê tudo de um modo diferente — e ainda mais empolgante.

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