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Conta Comigo (1986): amizade, amadurecimento e ruptura | Rebobina 002

Na cena de abertura de Conta Comigo (1986), nos deparamos com um homem (Richard Dreyfuss) parado com seu carro no meio de uma estrada deserta, chocado com a notícia do assassinato de seu melhor amigo de infância. Com Chris, Gordie não poderia mais contar a partir dali. Esse paradoxo do título, logo na primeira cena, já indica que o filme merece ser visto com muita atenção.

Baseado no conto O Corpo, presente no livro As Quatro Estações de Stephen King. Uma das coisas mais incríveis é como um longa-metragem tão fiel ao texto pode ter uma abordagem tão diferente. O Corpo é seco, mas Conta Comigo (1986) é aconchegante. O conto é sobre encontrar um cadáver, mas o filme é sobre jornada, amizade, ruptura e fim.

Sinopse de Conta Comigo (1986)

Na trama, quatro amigos de escola, no último final de semana antes do retorno às aulas em 1959, saem à procura do corpo de outro garoto que foi atropelado por um trem a alguns quilômetros de distância. Aos 12 anos, eles partem numa jornada que marcará para sempre suas vidas. Alguns mais, outros menos.

Gordie (Whil Weathon) ainda vive o luto de perder seu irmão (John Cusack). Seus pais sofrem ainda mais a perda de seu favorito, assim, o garoto vivo anda invisível pela casa. Chris (River Phoenix) faz parte de uma “família que não presta” aos olhos da pequena cidade de Castlerock. Teddy (Corey Feldman) é filho de um veterano de guerra alcoólatra dado como louco. Por fim, Vern (Jerry O’Connel) é o mascote do grupo, que sofre bullying a todo instante por ser gordinho. Além deles, temos uma gangue mais velha liderada por Ace (Kiefer Sutherland).

Conta Comigo (1986)
Conta Comigo (1986)

Amizade, cigarros, ritos e passagens

Os personagens são apresentados na casa da árvore, o quartel-general da privacidade, longe do olhar dos adultos. Cigarros, baralho, revista de mulher pelada: ali as crianças fingem ser adultas. É nesse espaço que traçam o plano para encontrar o corpo. A mesma casa da árvore será ignorada no final do filme, ao passarem por baixo dela. Ela já não serve mais: a infância ficou lá dentro, antes de saírem.

Apesar do rito de passagem apresentado no roteiro ser atemporal, as gerações retratadas são muito bem definidas. Em 1959, tanto o escritor Stephen King quanto o diretor Rob Reiner e os personagens principais tinham idades muito próximas. Todos da geração Baby Boomer, do pós-guerra, prontos para as rupturas dos anos 1960. Seus pais, da Geração Silenciosa, viveram a Grande Depressão e exigiam uma obediência sem contestação, silenciosa. O conflito de gerações aqui é onipresente.

A viagem de ida é repleta de aventuras: fugir de cachorro bravo, correr de trem, nadar em lago cheio de sanguessugas, dormir ao lado de coiotes e enfrentar uma gangue. Cada um contando com o outro para superar as dificuldades. Entretanto, é nas lacunas que sobra espaço para o desabafo — aquilo que você quer gritar para o mundo, mas que a sociedade te impede. Você expurga, seja aos berros ou em lágrimas, seja em grupo ou a dois.

Gordie e Chris são melhores amigos. É com o segundo que o primeiro conta para encarar o descaso dos pais, para ser incentivado a tornar-se escritor e para chorar, pela primeira vez, a perda do irmão. Por outro lado, Gordie está ali para abraçar e confortar Chris quando ele desabafa sobre discriminação, marginalização e desilusão.

A volta é silenciosa. Uma assimilação de tudo o que foi vivido com tamanha intensidade. É quando a infância se transforma em lembrança, e o amadurecimento ainda está no interior de cada um. Sabe-se que nada mais será como antes. E a cidade, apesar de pequena, parecerá ainda menor e certamente causará menos medo. Algumas dores ficarão a quilômetros de distância.

Nós espectadores, também somos confrontados pela ruptura. Descobrimos que eles não seriam amigos para sempre. Na verdade, metade do grupo não se encontraria mais a partir da semana seguinte, ao entrarem no Junior High e iniciarem outro ciclo de amizades. Gordie sabe, mais ou menos, o destino de cada um deles nos dias de hoje. Sim, sabemos como isso funciona.

Conta Comigo (1986)
Conta Comigo (1986)

Conta Comigo é sobre o fim

Nada disso funcionaria sem a química perfeita entre os quatro garotos. Rob Reiner captura a essência da infância de forma universal. Cada brincadeira e discussão entre eles parece tão real quanto foi na nossa própria infância. Aos 12 anos, falar sobre vômito era engraçado justamente por ser nojento, e ofender a mãe do outro era a maior ousadia — sempre perdoada.

E a amizade? Conta Comigo (1986) não é sobre amizade? Na verdade, não. É sobre contar com alguém, seja por alguns anos, meses ou até mesmo por alguns dias. Conta Comigo é sobre o fim. Aos 12 anos, Gordie não contava mais com o irmão, nem com os pais – que não reaparecem no retorno – nem com os amigos da jornada. Até mesmo Chris, a distancia seria inevitável. Ele só poderia contar consigo mesmo e com quem estivesse ao seu lado a partir daquele momento.

Na última cena, Gordie escreve que nunca mais teve amigos como os que teve aos 12 anos. “Quem teve?” Naquele momento, ele percebe que amizades vêm e vão, mas a que guardamos com mais saudade é aquela que nos ajudou a atravessar o rito de passagem. Assim, na sequência, ele sai para brincar com seus filhos, enquanto eles podem contar uns com os outros.

E tudo termina ao som de “Stand By Me”, clássico de Ben E. King em sua versão original, com versos como “quando a noite chegar e a Terra estiver escura e a Lua for a única luz que veremos, não, eu não terei medo, contanto que você esteja ao meu lado”. Note que a letra, em nenhum momento, fala sobre o para sempre, mas sim sobre aquele momento. Ela se encaixa perfeitamente no coração do filme. A canção não só foi tema, como também deu nome ao filme, tamanha conexão. Até relevamos o fato de ela ter sido lançada dois anos após os acontecimentos na trama.

Por outro lado, ela iniciou uma “modinha” de colocar clássicos dos anos 50 e 60 como tema e título de filmes, como por exemplo “Blue Velvet” (Veludo Azul, 86), “Peggy Sue” (Peggy Sue – Seu Passado a Espera, 86), “Can’t Buy Me Love” (Namorada de Aluguel, 87), “Pretty Woman” (Uma Linda Mulher, 90), “My Girl” (Meu Primeiro Amor, 91), “When a Man Loves a Woman” (Quando um Homem Ama Uma Mulher, 94), “Only You” (Só Você, 94), entre outros. Apesar de nem sempre receber tradução ao pé da letra no Brasil.

rob reiner topo
Imagem do diretor do filme, Rob Reiner

Uma breve homenagem a Rob Reiner

Escrevo este texto apenas alguns dias após o falecimento do diretor Rob Reiner, aos 78 anos. O principal suspeito é seu próprio filho caçula. Em sua fase áurea, ele dirigiu outros clássicos, como: A Princesa Prometida (1987), Harry & Sally (1989), Louca Obsessão (1990), Questão de Honra (1992), entre outros não tão geniais. Que descanse em paz.

Quando River Phoenix morreu por overdose no Halloween de 1993, na casa noturna Viper, aluguei Conta Comigo em VHS para rever, junto com Viagem ao Mundo dos Sonhos (85). A partir dali, tomei como ritual viver o meu luto por alguns ídolos do cinema e da música revisitando suas obras. É uma forma que encontrei de lidar com esse fim. Amadureço um pouco a cada vez.

Por fim, este longa metragem é sobre crescer, entender a complexidade das relações humanas e aceitar que alguns fins são inevitáveis. É um lembrete de que a infância, por mais curta que seja, deixa marcas, moldando quem nos tornamos. E talvez seja justamente essa capacidade de tocar tantas pessoas que torna o filme um clássico eterno.

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